Poemaduro

Poemaduro
O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A ESCRITORA E O BÚFALO


A ESCRITORA E O BÚFALO

     Conforme amplamente divulgado, especialmente via Internet, o fato se deu em 17/08/2012, em plena efusão de público de um dos corredores de circulação da Bienal SP, quando, num infeliz erro de cálculo (para não dizer: em atitude própria de um bestalhão frustrado), o pseudo-poderoso dono da Editora Baraúna – provavelmente, pensando que se tratasse de uma das supostas “qualquer umas” que ele deve estar acostumado a menosprezar no âmbito dos seus domínios – resolveu destratar calorosamente a minha filha: escritora Luciane Rangel, autora da muito bem aceita, vendida e badalada trilogia “Guardians”.
     Só que, com essa deplorável e claramente discriminatória atitude, o tal ignorante errou, no mínimo, duas vezes. Primeiro, porque, embora a sua parca educação talvez não lhe permita perceber, “qualquer uma” é um animal que não existe; pois, todo ser humano, seja uma jovem escritora em ascensão, como é o caso dela, ou a mera empregada de uma editora “rival” em trabalho de “espionagem”, conforme o dito cujo pensou que fosse, nunca merece ser abordada de forma desrespeitosa e depreciativa, e, tampouco ouvir impropérios injustos e imotivados de quem quer que seja.
     O grande público que valoriza a boa leitura contemporânea de ficção, especialmente no cenário nacional, já sabe de cor e salteado, pois, basta pesquisar pela Internet para ver uma miríade do mais carinhoso assédio sobre o nome (Luciane Rangel) e acerca de sua obra (Guardians), o que comprova irrefutavelmente a verdade que o dito cidadão não conhecia.
     No entanto, para que fique ainda mais ratificado aos olhos daquele equivocado que agride pessoas por erro de inferência; aquele que, em tese, nem sequer sabe ler as letras menores de um crachá (Autora) de credenciamento da Bienal, como forma de conter-lhe o ímpeto de búfalo supostamente ameaçado por concorrentes, eu reitero e corroboro: a moça é escritora sim, e das boas, posto que, apesar do seu pouco tempo de carreira literária e ainda no primeiro trabalho publicado (e bem sucedido), o fato é que ela já detém fãs e leitores até na Europa. Assim, considerando-se que, por consequência do seu sucesso, ela vende muito mais livros do que supõe a vã filosofia do dito agressor, caso ele se mostrasse só um pouco mais dotado de inteligência, trataria era de identificá-la – como um editor competente e educado teria feito – e até de tentar conquistá-la para o seu quadro de autores, ao invés de confundi-la, de forma obtusa, com uma pessoa impunemente destratável, sendo que o mais triste desse episódio é saber-se que o desenformado a abordou – só por estar com um crachá da sua (dela) digna e parabenizável “Editora Léxia” – exatamente num momento em que ela voltava inocentemente àquele temeroso estande para comprar livros de algumas amigas de profissão (escritoras), que, talvez por um desconhecimento prévio da inépcia do dono, publicam sob o selo de tão controversa Editora, que, a meu ver e diante de tal postura do proprietário, nem merece que autores dotados de carisma e autoestima a procurem.
     Em resumo, usufruindo do sagrado direito constitucional de ir e vir, eis que a escritora Luciane Rangel entra no estande da Editora Baraúna para lhe conferir lucro (para comprar), valorizando, com o gesto, o trabalho de suas amigas, e, ao invés do devido “muito obrigado” do dono, vê-se absurdamente interpelada e desrespeitada por ele.
     Afinal, apesar de a minha filha ter chorado bastante e até perdido algumas vendas em razão do desestímulo e da breve apatia que tal grosseria lhe causou, quem perde mais é ele, que, além de ajudar a promovê-la um pouco mais com esse seu “tiro pela culatra”, ainda deixou escapar pelos seus dedos de bufão uma boa promessa da jovem literatura nacional, a qual, provavelmente, por precisar menos de dinheiro para ser feliz do que ele, visitava o seu covil apenas para deixar-lhe mais uns cobres.
     E vale lembrar ao referido cidadão, sujeito ao “imperium” da Lei como qualquer outro, que este é o fim do meu texto de repúdio pela sua estupidez. Porém, provavelmente, não é ainda o fim da inaceitável história e nem da minha cobrança pelos meios legais.

Mailton Rangel – Escritor


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Seterreses

SETERRESES
(Mailton Rangel)


Ah!...
Pegar estrada pra casa da praia...
Poxa... parece coisa de gente “viva”!
– Viva o sol!!! – diriam uns inocentes;
Mas, é só enveredar pela avenida e pronto:
Minha cabeça crescida logo muda de rumos,
E aí, alivia-se de coisas triviais que me enchem,
Porém, aproveita o enorme espaço obtido
Para também se entupir de outras tantas,
Que só tendem a me esvaziar
Pras vias do desencontro.

Nessa jornada,
Antes d’eu ver a magnitude das gaivotas
Levitando no plasma de luz que se espraia
Ao longo e no entorno da “Rio-Niterói”...
O fluxo deste olhar alerta já se torna ponte,
Que embora livre de ágios e mastodontes,
Mostra-se oportunamente aberta e liberada
Pr’o acesso das outras coisas que me oprimem,
Amealhando minha consciência fertilizada,
Feito redes que se dispõem a pescar um passado
Na miríade de novidades feias do presente.
Sim, nesta beligerante coisa de grego e Troia,
Que, por sua vez, conspira para me despistar
Rumo a um fim mais contundente.

E a pista estreita,
Que miragens fulgura adiante –
Tal como a perecível paz do meu planejamento –
Remexe e apaga as coisas boas de mim.
...
Mas...por que será, enfim,
Que o sol se comporta tanto
Como um falso suicida demente,
Mergulhando de sua ponte celeste segura,
Só pra morrer de mentirinha
Lá no abismo do horizonte?...
– Eu, hein!...
Que esnobação mais obscura, meu!...
Firulinha própria dos ressucitantes;
Porque qualquer coisa séria mergulhante
Que mergulhasse, pelo menos, igual a mim,
Mergulharia, muito provavelmente,
É daquele primeiro pontilhão aludido,
O mais profícuo e concretizante, a meu ver,
Para tal rompante ou fim!
...
Sob esse prisma,
Por mais que eu limpe meus óculos,
O que sempre vejo com toda claridade
É que esse sol capaz de renascer n’outro dia
Pode ser sempre brilhante em sua ousadia,
Mas a nossa visão opaca a respeito dele,
Bem como o tempo,
Juntamente com os nossos caminhos...
Ah... esses aí, definitivamente,
Nunca são os mesmos!

E então, feito imperativo de um dom telepático,
Assola-me logo de pronto um tosco tema recorrente:
– A morte!
Pois... essa senhora,
Mal amada e sem consorte,
Lá nas brumas do meu antigamente,
Habitava um reino esquecido e distante;
Mas, agora, eis que ela se arvora a significar, sem rodeios,
Toda essa orquestração coletiva e constante,
Que tanto teima em remar contra os meus anseios.

Mas... fazer o quê?... É a vida!
Coisas da minha telepatia, enfim;
Pois, sempre que eu penso nela,
A capciosa se arrepia
E – certamente –
Se lembra também de mim.

Sim...
Só pode ser minha telepatia!...

Ah... mas isso é fichinha, viu?!
Alguém já me assegurou um dia
Que adivinhar só não dá sustância,
Pois, o único dom que a nefasta respeitaria,
E isso, somente por ‘pé atrás’ em relação ao dogma
Que fala da imagem e da semelhança...
É o prodigioso lume da sintonia:
Coisa inerente ao amor e à essência
Que flui muito mais ALÉM!

...E agora vejam só...
Como é que essas coisas são:
Eis que, até pela caixa alta acima,
Oportuniza-se...
E me afronta...
E se-me vem...
Essa outra medida incerta e provocante
De toda e qualquer incursão!...

– Nossa Senhora!...
...
– Amém!...

Todavia,
Com tanto asfalto adiante,
Além das coisas pródigas da mente,
Há outras nuances muito surpreendentes:
Minhas celulazinhas brancas, por exemplo,
Que, fugidas de recantos do antigo templo,
Nos quais me garantiriam a vida e o encanto,
Esbulham-me o pouco espaço de poesia,
Embolorando-se, qual pérolas doentias,
Para que o cheiro de espólio que disso emana,
Oprima-me...
Pela garganta,
Numa infusão deprimente...

– Amigdalite:
Mais um dos tantos nomes bonitinhos que se atribui à morte!
...
... E, é um xeque-mate...
Quando a preocupação ainda aguça
Aquela coceirinha de caspa equizêmica,
Que, quando não fere, intumesce
Ao longo das laterais do crânio;
Ali pela base da nuca,
Ou por trás das orelhas flácidas e caídas...
...
...
– Mas... isso é estresse de quê, Doutor,
Se o prêmio esperável da vida
Até já se encontra a caminho,
Disfarçado entre as abstrações?...
...
Opa!... Por falar nela,
Olha...
Olha...
Olha ali... o acidente, gente!!!
...
NOSSA!... Que coisa mais feia e deprimente!...
E pela quantidade de sangue na pista,
Parece que a dita leva mais um ente!
...
Ufa!...
Como é bom sentir
Que um ótimo cinto de segurança
Cerceia o meu tronco com firmeza;
Mas... o que ainda sinto de insegurança,
De medo, apreensão, incerteza,
Ao pensar nos perigos da Linha Amarela...
Não está nem no gibi do ‘Space Ghost’,
Aquele que já faz muitos anos agoniza
Por trás do banco de trás
E na memória gasta!
...

Contudo,
Nessa esparrela,
Já não é a visão das favelas que mais me dói
E nem as almas sem prumo que vegetam nelas,
Mas sim,
Os engravatados anjos da morte
Que as fundam e as desconstroem
A partir do abrigo de seus gabinetes,
Com a força das omissões e das canetas:
Estes trunfos vis de suas gavetas.
...
... Mas...
Ainda na Linha Vermelha,
Com o ar do “possante” ligado
E todos os vidros devidamente erigidos,
À vista do avião correto e legalizado
Que lá no galeão aterissa, tão  reluzente...
O súbito grito da minha mulher ressoa,
Inibindo o solo de “Let it bee” que vinha do CD!
...Porém,
Até mesmo esse rompante,
Em respeito à eternidade dos astros,
Imediatamente, parece que míngua,
E praticamente... amortece,
No recôndito sacrário do dito automóvel!
No entanto, convenhamos:
Grito... é coisa que nunca tece,
Sequer, um mísero aceno de paz,
Quanto mais...
Aquele tão sublime sentimento.
...
... Aliás,
Contrariamente:
Creio que grito é o que destroça todo devaneio,
E enquanto mata o diálogo,
Despótico – mostra a que veio:

EU, me esquecera de pôr... (RA!)...
A bosta da planta dela dentro do carro!  (ZARALHO!!!)

– “TÁ VENDO SÓ?...
A orquídea agora vai morrer seca lá em casa!!!”
...
Com isso,
Somando-se à dor de todas as reticências
E também ao arrependimento pelos palavrões,
Morro um pouquinho mais e até antes da flor;
Posto que ainda me sinto tão filho do diálogo
Quanto da coisa viva que cultivo por elas:
Meu já esnocado,
Porém,
Ainda retilíneo,
E forte,
E abnegado...
Amor!
...
Pois, doravante – já reflito:
Até outra droga de linha ou barbante,
Sejam eles vermelhos, amarelos
Ou de qualquer outra cor,
Com muito mais intensidade que antes,
São coisas que só me lembrarão aquela,
E isto, provavelmente, para todo o sempre;
Porque morte, enfim,
Não passa de um atroz silêncio,
Enquanto que este, por sua vez –
Independentemente de azar ou sorte –;
Mesmo não sendo para sempre
Ou até a despeito de Ser Absoluto,
Sempre redunda... em morte!
...
Poxa vida!...
Vejam só como é a mente:
– Linhas,
Silêncios torpes,
Mortes por acidentes,
Via Láctea e plantas que se restam ressequidas,
Bilhões de galáxias levitando num breu vazio,
Poeira, radiações cósmicas, átomos, cometas...
...
– Alguém aí tá precisando fazer xixi???

Pois, é!...
Nossas bexigas já reclamam,
Mas, com todo esse vazio que martela o juízo,
Acho que precisamos de uma coisa para beber, urgente!
Pois, por via das dúvidas,
Talvez seja bem sensato e coerente
Reencher esses receptáculos novamente,
Porque, afinal,
Com a morte e o seu vazio,
Mesmo que este nos chegue carregado
De outras e outras coisas um tanto reluzentes...
Jamais se brinca!
...
E a casa principal que deixamos pra trás, vazia,
Tanto hoje quanto de outras estrepolias,
Em razão de um escape contumaz,
É coisa que me lembra a referida,
Porque a lembrança atroz dos esquecimentos
Gera mais ainda o ranço do ressentimento
Que tanto me mataria.
...
...Vocês sabiam...
Que, igualzinha às plantas vivas,
A alma fototrópica da esperança,
Além de lúdica e fosforescente,
É também verde e docinha?...
...
...Pois,
Por conta disso,
De acordo com o meu difuso conceito,
A forma mais linda de se olhar a vida,
Especialmente quando se viaja em dia ensolarado,
Sempre foi pelas lentes verdes de uns óculos do tipo Ray-ban.

Mas...
Até essa coisa agora,
Se de pronto não me mata,
Torna-me bem mais ensombrecido,
Porque, com um adereço daqueles hoje na cara,
Sei que não enxergaria nem o pedal
Do meu bom e dileto meditador;
Ou, talvez, eu nem sequer veria,
 Aquilo que ainda aceleraria
Alguma coisa a mais na minha rude emoção,
E, tampouco, qualquer reflexo da minha alma
Nos poucos espelhos louváveis da vida,
Eis que, desde tempos ainda pródigos,
Porém, igualmente memoriais,
Já não consigo viver sem um grau bem forte.
Logo, uma eventual visão borrada,
Deturpada,
Acinzentada,
Deficitária, afinal,
Nos degraus da existência,
E, ainda mais:
Sob a inclemência desta estrada...
Só pode me lembrar... a morte!
...
Até porque,
Meu amigo predileto morreu de câncer;
Mas, eu, por falta de senso ou sorte,
Já nem mais medo sinto do aporte,
Nem do cancro, nem daquela;
Pois esses, associados à cova
Que rouba o riso claro do amigo,
Bem como à dor das orquídeas esquecidas,
Não passam de uma dupla personalidade do nada,
E, como se sabe,
Tudo que venha do nada, por si só,
Não há como esconder ou negar:
Já não me lembra nada mais que o silêncio.
Então, se existe nesse entremeio
Coisa que me amedronta ou mata,
É a simples vidinha ingrata...
Putrefata,
Obscurecida...
Pela falta dos amigos!
...
No entanto,
A despeito disso,
Solene e ritmadamente...
Eu respiro bem fundo e continuo,
Ouvindo o ronco do tempo que ecoa aqui dentro
E o áspero sibilo dos quatro pneus lá fora,
Os quais – em sua felicíssima inconsciência,
Apenas rasgam a estrada incerta e manchada,
Assim como quem tenta nos livrar do sol,
Juntamente com as suas sombras insolentes,
Esses fantasmas mutantes que aqui nos seguem,
Irônica,
Sarcástica
E tão insistentemente.
...
... Sim,
Eu sei que é cedo, por enquanto,
Mas, com o transcorrer das horas,
Até as minhas rebeldes pernas adormecem,
E o pior é que eu não vejo nisso tudo
Qualquer nexo aparente.

...Ah... Deve ser coisa desse destino cretino
– Dir-me-ia o Allan Pitz –,
Que zomba de queda ou arrimo de todo ente,
Só pra consolidar de vez na nossa mente
A noção de que a morte caminha ou corre,
Desde que lhe seja conveniente,
E corre até com destreza superior à da fuga,
Do medo,
Ou da espera
De todo e qualquer ser morrente.
...

Ah!...
Eis que surge à nossa frente
O insólito fulgor do sol poente!
...
...Ó, Deus!...
Como essa coisa era bonita,
Antes que eu a batizasse,
Definitivamente, para mim,
Com o obtuso nome de “ocaso”;
Palavra esta que me foi apresentada
Da forma mais poética e contemplada
Por uma velha professora minha
Nas lições de antigamente!
...

Pois, é!...
E nisso, eu acabo,
Por um triste acaso repetente,
Lembrando-me da dita cuja... novamente!
...
– Novamente???...
...
Perdoem-me:
Este é mais um melancólico momento,
Em que, tanto esta correção quanto a sede
Me fazem engolir em seco:

– VELHA MENTE!!!...
...
Opa:
Minha mulher adoradinha,
Até que, enfim,
Consegue me alegrar nesse instante,
Pois, da forma mais inesperada,
Assim que volta do posto com o refrigerante,
Ela quebra nosso seco silêncio pra dizer:
– humm... será que eu pisei em coisa que não devia?
...
– Tô sentindo cheiro de merda nesse carro!
...
... E aí... Fazer o quê, né, gente?...
...Pois, é a vida!
A gente trafega por ela,
E sempre grita quando se vê pisado,
No entanto, quando é exatamente a gente que pisa,
Normalmente, nem se sente!
...
Ademais,
Viagem pra casa da mente, que eu saiba,
Às vezes cansa bastante,
Às vezes nos entristece,
Às vezes decepciona...

Porém,
É coisa que,
Definitivamente:
– Ainda não fede!


***
Mailton Rangel


quarta-feira, 28 de março de 2012

SAGA



Os monstros da minha geração
Soltam flores pela boca.
Eles não gemem, nem choram,
Porque estão saciados.
Não são meras feras mecânicas,
Mas, homens mecanizados.
São humanóides de gravatas e diplomas,
Que clinicam,
Que ministram,
Que convencem,
Que subjugam...



Mailton Rangel
(Publicado no livro Poemaduro)
FERRAMENTAS


É necessário remar!
Que a correnteza da fome
Não pode flagelar o povo!
... Para remar,
Precisa-se de remos.
– Mas cada um de nós não é um remo vivo?...
O que está faltando...
É o movimento sincronizado de todos nós!

E é necessário repartir o pão,
Porque se ele existe
É para o alimento de toda a gente.
Mas para repartir com perfeição,
Necessita-se de uma faca.

Por conseguinte:
Se a faca que parte o pão
Traduz-se em arma também,
Perfeitamente passível
De armar os movimentos...
Ninguém conseguirá jamais, portanto,
Repartir dignamente qualquer pão...
Sem uma arma na mão!

Pois as donas-de-casa têm facas;
Os ferramenteiros, também;
O irmão sapateiro, por igual
E os bons bóias-frias, tal e qual...
Então...
Todos podem repartir o pão!

E faz-se mister caminhar em conjunto:
Ninguém germina sozinho!
Mas todos que desejam florescer
Precisam desbravar caminhos.
Mexer com terras paradas
Também se faz necessário:
O imprescindível é plantar,
Colher,
Comer,
Dançar,
E se alegrar;

Mas para um plantio afável,
Há que se ter uma enxada,
Porém, a enxada isolada
Não produz fertilidades,
Quando há tiranos tratores,
Insanos, aterradores,
Atrapalhando as searas,
Subterrando os bons sonhos,
Os lírios, a aluvião...

Então...
Somente gente que se dê valor,
Em mutirão,
Com facas e enxadas reunidas,
Devagarinho
Fermentados pelo amor,
Com sincronia e compasso...
Deslocariam qualquer trator,
Ajustariam toda máquina,
Pra forjar pães e caminhos,
Fraternizando os espaços!



Mailton Rangel
(Publicado no livro Poemaduro)

segunda-feira, 19 de março de 2012

COERÊNCIAS


Dono da vida é o tempo;
Eu vago.
Dono do gozo é o afago;
Eu sonho.
Dono do sonho é o acaso;
Eu crio;
Dono do acerto é o estrago;
Eu tento!
Dono do uno é o duo;
Eu somo;
Dono do alento é o encontro;
Eu busco.
Dono do poder é o escárnio;
Eu rio.
Dono da treva é o lume;
Eu acendo!
Dono do ser é o barro;
Eu sou.
Dono da voz é o vento;
Eu falo.
Dono da paz é o encanto;
Eu canto.
Dono do vôo é o infinito...
Eu livro!


(Publicado no livro Poemaduro)
.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Ideal

IDEAL



Eu busco um lirismo forte,
Uma espada,
Um devaneio...
E uma tocha.
Já não me encanto mais
Com flor que desabrocha;
Quero um desabrochar... de rocha!





.

Agradeço:

AGRADEÇO:



A Deus,
Meu pai oniprecavido,
Que nunca me deixou agarrá-lo,
Sacudi-lo pelo colarinho,
Esbofeteá-lo com os meus desesperos,
Como inúmeras vezes pensei desejar,
Mas que apesar de muito bem camuflado,
Jamais deixou também de erigir as “pinguelas”
Nos mais tenebrosos abismos
Que eu precisava transpor...
E que num belo dia em que nem lembro qual,
Antes que eu desistisse da “brincadeira”,
Mostrou-me, em seco recado,
Que mesmo empurrado pra fora,
Calado,
Despido da minha gratidão...
Ainda permanecia dentro de mim.


Prefácio do livro Poemaduro


A poesia de Mailton Rangel procura extrair da palavra o máximo de proveito, em especial, por meio de jogos sonoros, fazendo eclodir toda a semântica dos signos, dos sons e até dos silêncios representados pelos aspectos da palavra que não são explícitos no poema.
O leitor poderá perceber que essa preocupação cativa e estimula a leitura até o final de cada unidade, onde quase sempre se encontra uma mensagem forte, dura e, ao mesmo tempo, desconcertante. Um bom exemplo é o poema “Marasmo”, em que há rimas e cortes que fazem crescer o conteúdo do texto:

“...Eu construí um muro/ Respirei um ar duro/ E me esterilizei./ Olhe...que a banda da praça passa/ O novo ano novo passa.../ E o trem do amor, meu bem, atrasa,/ Porém... passa também!”

Com um grande amor pelo verso e seu limite, neste livro o poeta mostra a fidelidade à sua vocação de artífice da palavra. É onde ele cria suas verdades parciais e lança a semente capaz de proporcionar o aprendizado de sua multifacetada totalidade.
Aqui ele evidencia sua enorme preocupação com as mazelas sociais, expondo que, por isso, felicidade existe, mas só chega permeada de percalços inesperados, ou, que ela sempre insiste em florescer onde ele não se encontra, porque só se pode ser plenamente feliz quando todos o são.
Os versos de Mailton Rangel, às vezes “contundentes”, mostram que o amor deve estar sempre presente nas relações humanas, embora a conquista desse amor lhe seja sofrida, a exemplo da vela, que só ilumina com o calor do fogo que a consome.

Mailton Rangel, em suma, é um viajante de muitos momentos e de diversos lugares, sempre em busca de algo que talvez se encontre em vidas passadas ou futuras.


Melquíades Ayres de Aguirre