Poemaduro

Poemaduro
O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

quarta-feira, 28 de março de 2012

SAGA



Os monstros da minha geração
Soltam flores pela boca.
Eles não gemem, nem choram,
Porque estão saciados.
Não são meras feras mecânicas,
Mas, homens mecanizados.
São humanóides de gravatas e diplomas,
Que clinicam,
Que ministram,
Que convencem,
Que subjugam...



Mailton Rangel
(Publicado no livro Poemaduro)
FERRAMENTAS


É necessário remar!
Que a correnteza da fome
Não pode flagelar o povo!
... Para remar,
Precisa-se de remos.
– Mas cada um de nós não é um remo vivo?...
O que está faltando...
É o movimento sincronizado de todos nós!

E é necessário repartir o pão,
Porque se ele existe
É para o alimento de toda a gente.
Mas para repartir com perfeição,
Necessita-se de uma faca.

Por conseguinte:
Se a faca que parte o pão
Traduz-se em arma também,
Perfeitamente passível
De armar os movimentos...
Ninguém conseguirá jamais, portanto,
Repartir dignamente qualquer pão...
Sem uma arma na mão!

Pois as donas-de-casa têm facas;
Os ferramenteiros, também;
O irmão sapateiro, por igual
E os bons bóias-frias, tal e qual...
Então...
Todos podem repartir o pão!

E faz-se mister caminhar em conjunto:
Ninguém germina sozinho!
Mas todos que desejam florescer
Precisam desbravar caminhos.
Mexer com terras paradas
Também se faz necessário:
O imprescindível é plantar,
Colher,
Comer,
Dançar,
E se alegrar;

Mas para um plantio afável,
Há que se ter uma enxada,
Porém, a enxada isolada
Não produz fertilidades,
Quando há tiranos tratores,
Insanos, aterradores,
Atrapalhando as searas,
Subterrando os bons sonhos,
Os lírios, a aluvião...

Então...
Somente gente que se dê valor,
Em mutirão,
Com facas e enxadas reunidas,
Devagarinho
Fermentados pelo amor,
Com sincronia e compasso...
Deslocariam qualquer trator,
Ajustariam toda máquina,
Pra forjar pães e caminhos,
Fraternizando os espaços!



Mailton Rangel
(Publicado no livro Poemaduro)

segunda-feira, 19 de março de 2012

COERÊNCIAS


Dono da vida é o tempo;
Eu vago.
Dono do gozo é o afago;
Eu sonho.
Dono do sonho é o acaso;
Eu crio;
Dono do acerto é o estrago;
Eu tento!
Dono do uno é o duo;
Eu somo;
Dono do alento é o encontro;
Eu busco.
Dono do poder é o escárnio;
Eu rio.
Dono da treva é o lume;
Eu acendo!
Dono do ser é o barro;
Eu sou.
Dono da voz é o vento;
Eu falo.
Dono da paz é o encanto;
Eu canto.
Dono do vôo é o infinito...
Eu livro!


(Publicado no livro Poemaduro)
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sexta-feira, 16 de março de 2012

Ideal

IDEAL



Eu busco um lirismo forte,
Uma espada,
Um devaneio...
E uma tocha.
Já não me encanto mais
Com flor que desabrocha;
Quero um desabrochar... de rocha!





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Agradeço:

AGRADEÇO:



A Deus,
Meu pai oniprecavido,
Que nunca me deixou agarrá-lo,
Sacudi-lo pelo colarinho,
Esbofeteá-lo com os meus desesperos,
Como inúmeras vezes pensei desejar,
Mas que apesar de muito bem camuflado,
Jamais deixou também de erigir as “pinguelas”
Nos mais tenebrosos abismos
Que eu precisava transpor...
E que num belo dia em que nem lembro qual,
Antes que eu desistisse da “brincadeira”,
Mostrou-me, em seco recado,
Que mesmo empurrado pra fora,
Calado,
Despido da minha gratidão...
Ainda permanecia dentro de mim.


Prefácio do livro Poemaduro


A poesia de Mailton Rangel procura extrair da palavra o máximo de proveito, em especial, por meio de jogos sonoros, fazendo eclodir toda a semântica dos signos, dos sons e até dos silêncios representados pelos aspectos da palavra que não são explícitos no poema.
O leitor poderá perceber que essa preocupação cativa e estimula a leitura até o final de cada unidade, onde quase sempre se encontra uma mensagem forte, dura e, ao mesmo tempo, desconcertante. Um bom exemplo é o poema “Marasmo”, em que há rimas e cortes que fazem crescer o conteúdo do texto:

“...Eu construí um muro/ Respirei um ar duro/ E me esterilizei./ Olhe...que a banda da praça passa/ O novo ano novo passa.../ E o trem do amor, meu bem, atrasa,/ Porém... passa também!”

Com um grande amor pelo verso e seu limite, neste livro o poeta mostra a fidelidade à sua vocação de artífice da palavra. É onde ele cria suas verdades parciais e lança a semente capaz de proporcionar o aprendizado de sua multifacetada totalidade.
Aqui ele evidencia sua enorme preocupação com as mazelas sociais, expondo que, por isso, felicidade existe, mas só chega permeada de percalços inesperados, ou, que ela sempre insiste em florescer onde ele não se encontra, porque só se pode ser plenamente feliz quando todos o são.
Os versos de Mailton Rangel, às vezes “contundentes”, mostram que o amor deve estar sempre presente nas relações humanas, embora a conquista desse amor lhe seja sofrida, a exemplo da vela, que só ilumina com o calor do fogo que a consome.

Mailton Rangel, em suma, é um viajante de muitos momentos e de diversos lugares, sempre em busca de algo que talvez se encontre em vidas passadas ou futuras.


Melquíades Ayres de Aguirre