Poemaduro

Poemaduro
O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Homogênese

Em 29/11/2010, dentre 426 poemas incritos, este angariou o prêmio de 2º colocado no "IX Concurso de Poesia da Cidade de Duque de Caxias - RJ.".




HOMOGÊNESE


Abram alas, ó gente minha,

Que a morte exige passagem;

E almeja pôr na bagagem

Este poeta mais uma andorinha,

Dois bispos,

Três onças pretas,

Quatro ladrões,

Cinco atletas;

Seis crias recém-paridas,

Sete peixes,

Quatorze magistrados,

Vinte dois idealistas,

Cento e setenta e um empresários,

Oitenta senadores de república,

Trezentos e quarenta e nove negrinhos sem pastoreio...

E uma vaca sagrada de “Krishna”.


Há de juntá-los em um só balaio,

Onde, em razão do espremido,

Não há olhar de soslaio,

Não há mugido arrogante,

Tampouco, as pompas altivas,

Nem divas,

Nem raparigas,

Sequer, senhor ou lacaio;

E em despojo, n’ante-sala,

Virá, da mistura, um cheiro

De cão perdigueiro e barro,

Com o pó-de-broca e escarro,

De alcatras virando adubo....


E pr’alguns que se escapolem,

Julgando-se ora seguros...

Assim como quem não quer nada,

Dentre as vísceras pastosas,

Pavorosa que só ela...

Ei-la, que surge equipada,

Ardilosa,

Cavernosa,

Grotesca

E dissimulada;

Porque a danada é ferenha,

E se é ferrenha...quer tudo!

E com o seu tubo estreito e forte

E afunilado...

E sem graça...

Que aspira recrudescente,

Sem cotejar cor ou raça,

Esganada, ela devora

Qualquer fauna que se aflora,

E a flora que mal se arvora...

Sendo que, depois do abraço,

Branco ou preto viram cinza,

Qualquer sangue irriga um pasto,

Todo orgulho ao pó retorna!


No entanto, passaria,

Sem fobia e com vantagem,

Quem fez as dietas certas

Das gorduras do caráter,

Pois o filtro afunilado...

– Vejam só, que amor-talhado!

Só permite que almas finas

Transpassem pr’um melhor lado.


Abram alas, minha gente:

Eis que a morte se aproxima;

Minha ânima me anima,

Mas a voz soa cansada;

E se ao fim da vã jornada,

Sem bússola,

Sem candeeiro,

Aos suspiros derradeiros,

Dou-me em seiva aos bons canteiros...

– Eis-me trigo enriquecido,

– Eis-me centeio macerado;

– Eis-me essencializado,

– Eis-me, em verso, terminado.



(Mailton Rangel)

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