Poemaduro

Poemaduro
O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

BUCHAS DE CANHÃO.


HAVERIA BUCHAS DE CANHÃO NO “PRÊMIO BAIXADA”?



Que me atirem suas farpas ou detritos, aqueles que o desejarem – mas o incentivo à cultura na Baixada Fluminense ainda parece se configurar como uma atividade de mentira; porque, salvo raras e gloriosas exceções, isso ainda se dá, em grande escala, em proveito próprio de alguns pseudo-fomentadores, e sob a égide de muito oportunismo e politicagem; e assim, geralmente não se promove verdadeiramente ninguém sob os critérios da ética e da imparcialidade; e, ao que parece, também se encontram muito mais hienas do que Mecenas envolvidos nessa história.

Nossa região, como se vê – prolífera em valores com maiúsculo – também se encontra salpicada de gente cretina sob duas facções diferenciadas: Num primeiro e mais nefasto batalhão – o dos entes que se propõem a representar a sociedade organizada – encontram-se uns desprezíveis mercenários, que só promovem eventos para angariar “royalties” e patrocínios, ou, meramente, alguns bônus de notoriedade a mais, porque esta sempre lhes abre muitas portas, assim como costuma render dividendos sócio-econômicos até para os mais medíocres. Estão aí os “Big Brother’s” que não me deixam mentir; e, por outra vertente, encontram-se, com as devidas exceções, os próprios artistas desprovidos de ética e de companheirismo solidário, que se orientam por um antropofágico instinto de competição, achando que a sua promoção e o seu sucesso artístico dependerão sempre do aniquilamento da imagem daqueles conterrâneos que produzem arte similar à sua.

Disto decorre que, na Baixada, além da ‘boca miúda’ que se faz em relação a eventos culturais, o próprio artista não compra nem divulga a arte do seu vizinho.

É como diz o meu amigo Sylvio Neto, um dos louváveis baluartes da seriedade nesse âmbito: “as pessoas só olham para o próprio umbigo”; e, por consequência, aqueles que nos procuram, enquanto artistas – especialmente se ligados a certos organismos culturais da própria região, costumam sempre trazer camuflados nos alforjes de sua vilania uma segunda intenção de usar os atributos de outrem como escada, a fim de promover-se para impostar alguma grandeza social.

Eu, a propósito, gostaria muito de entender, como exemplo, algumas recentes e/ou reiteradas atitudes do Fórum Cultural da Baixada Fluminense, um dos notórios organismos que mexe, remexe e fomenta – segundo eles próprios – as manifestações culturais na nossa depreciada terrinha.

Tomei contato com algumas pessoas desse grupo há cerca de três anos, quando me convidaram para participar, na condição de poeta, de um de seus eventos e, daí pra cá, passei também a xeretar, de vez em quando, o ‘site’ no qual eles divulgam suas atividades.

Parece que, para eles – como instituidores do “Prêmio Cultural da Baixada Fluminense”, com edição anual – existe um “pool” de artistas participantes um pouco mais “ilustres” que os outros, os quais formariam um seleto grupo fechado de consignatários de uma atenção mais especial e etc., tendo até quem diga que certos agraciados pela premiação – sempre advindos de tal grupo – já conheceriam o resultado acerca de seus nomes, antes mesmo de o evento acontecer.

Obviamente, não sou eu que faço tais afirmações, e nisso, levantar tais suspeitas poderia até parecer leviano, caso eu também não tivesse os meus próprios motivos de desconfiança. Portanto, tudo indica que tal verdade existe, embora eu apenas não saiba até onde se espraia a sua espuma contaminada.

E um outro motivo que me deixa de pé atrás com o “Fórum” se resume no fato de que, a cada evento organizado por eles, eu sempre me deparo com editais desprovidos de clareza e objetividade, onde muitos critérios deixam de ser esclarecidos e o próprio interessado é quem deve promover a si próprio, rasgando-se loas e até “inventando” atributos pessoais próprios, se assim quiser fazer, a fim de habilitar-se à premiação oferecida.

Esses editais, depois que tomei contato com o “Fórum”, chegam-me sempre através de e-mails genéricos, mas, considerando-se minha natural rejeição a concursos – por não demonstrar interesse pela coisa – vejo-me, “a posteriori”, “re-convidado” com ênfase maior, sendo que, então, já de forma mais pessoal (por telefone). Porém, invariavelmente, isso só se dá no último momento das inscrições. E aí, se empurrado pelas armadilhas do ego eu caio na criancice de aceitar, como fiz, no último dia do Prêmio-2009, sob a modalidade “cidadania”, passo imediatamente a ser ignorado, sendo que, como agravante, os agentes locais indicados para receber o nosso calhamaço de material, especialmente a Casa da Cultura de Belford Roxo, sempre sob a égide do “não sei de nada”, sequer tem um recibo ou número de protocolo para oferecer, o que se configura como mais um substancial objeto de suspeição.

Portanto, para os artistas menores como eu, pouco importantes, talvez, para o Fórum Cultural e respectivo Prêmio Baixada, não há como saber – sequer – se aquele nosso material foi recebido por quem de direito, ou mesmo se a nossa inscrição foi efetivamente feita, porque ali, ao que tudo indica, depois que se “laça” e empurra o boi para o rio, ninguém lhe revela que ele se destinava a ser – meramente – a necessária comidinha das piranhas, para que os espécimes preferidos pelos “feitores”, dentre a manada, possam atravessar a correnteza com segurança. Faz-se, portanto, depois que nosso nome se vê agenciado para posteriores efeitos estatísticos, um silêncio sepulcral , tanto nas mídias quanto nas línguas profícuas dos agenciadores do contingente artístico.

Isto, a meu ver, chama-se, no mínimo, desorganização, considerando-se que inscrição pressupõe, em qualquer âmbito da atividade humana, um número de recibo, uma resposta de efetivação ou um – atípico que seja – protocolo de entrega do material exigido pelos organizadores.

Porquanto, não há como não se inferir, tristemente, que o principal objetivo dos enfáticos convites de última hora se baseia na mera intenção de fazer número para uma meta de inscrições que não fora alcançada até o último minuto.

Pois, “bucha de canhão”, portanto, é outro dos jocosos nomes populares que se dá àqueles que entram ou são ordenhados – feito gado – apenas para fazer número e oferecer respaldo às intenções quantitativas de um evento.

E aqui vai mais uma frustrante e inconformada decepção – não só minha, mas, certamente, de um vasto segmento artístico da Baixada Fluminense: a pomposa relação dos agraciados nas diversas modalidades do Prêmio Baixada–2008 (ano passado) se encontra – desde a imediata posterioridade do fato – disponível e bem apregoada no ‘site’ do “Fórum”, mas a outra lista, que se refere à posterior e última edição de 2009 (VIII), ocorrida no dia 27/08/2009, no Município de Seropédica, estranhamente, jamais foi disponibilizada. Por quê?... Teriam os ilustres dirigentes do Fórum Cultural da Baixada Fluminense e organizadores do “Prêmio Baixada”, algo de ridículo, de estranho ou, no mínimo, de inadequado a confessar??? Por que essa capciosa lista, se é que existe, não foi para o ‘site’, juntamente com as “fotos do evento”, que, devida e cautelosamente selecionadas para divulgação, também só vieram tardiamente a público no mês de novembro?

Em tese, eu também me inscrevi, como já disse; mas, em virtude de um arrependimento eficaz e temporâneo, não estava lá! Entretanto, disseram-me que houve, no dia da malfadada entrega, uma tal insatisfação dentre alguns presentes que quase os levou as vias de fato. Tudo, principalmente, por conta de um inconformismo diante dos nomes escolhidos para a premiação. Tal inconformismo, diga-se de passagem, parece que já vem desde o ano de 2007, quando a modalidade “literatura” foi conferida a um “poeta” de São João de Meriti que, há décadas (descobriu-se há pouco) vinha plagiando, publicando e se apropriando de textos alheios. O Fórum, à época, talvez ainda não tivesse provas das falcatruas do tal premiado, mas as evidências de sua conduta já saltavam aos olhos até para o mais inexperiente amante ou pesquisador de poesia, porque ninguém escreve, em ritmo de continuidade, ora um texto medíocre e sulapado de impropriedades lingüísticas e gramaticais, e ora outro, absolutamente técnico, polido e apreciável.

No mundo da poesia – embora cada qual tenha o seu valor peculiar – não há homogeneidade tão incoerente: ou se é libélula ou se é rinoceronte, sendo que um plagiador, por sua vez – um estranho elemento que nem é poeta – não seria nenhum dos dois.

Por conseqüência, embora as sansões previstas para o plágio se concentrem na esfera Cível, um plagiador, transmudando-se para o âmbito da moralidade, não passa de um ladrão como outro qualquer, porque se apropria, igualmente, de um bem alheio. Então, premiá-lo, longe de significar estímulo e promoção cultural, nada mais é que um imperdoável desrespeito para com os verdadeiros criadores; e mesmo quando a sua premiação se dá sob o pálio da boa fé e do desconhecimento – o que parece ter sido o caso – sempre se torna premente, a bem da lisura e da ética, o devido ato de cassação do prêmio, logo que tal impropriedade se prove ou evidencie, coisa que, paradoxalmente e ao que parece, também nunca foi cogitada pelo Fórum Cultural da Baixada Fluminense.

E frise-se aqui, como corolário da aludida suspeita de um grupamento fechado dos agraciados pelo Prêmio, que o plagiador em questão, segundo dizem, sempre foi pessoa de íntimo relacionamento com alguns dos mais eminentes e poderosos mentores do “Fórum” e do “prêmio”.

Eu, como já disse, não sei a exata extensão da verdade, mas que ela existe, existe! Não fosse assim, o Fórum não esconderia a lista dos nobres agraciados pelo seu último “grande prêmio”.

Não me proponho aqui, meramente a denegrir organismos nem a injustiçar ninguém, mas, até que alguém me prove o contrário, digo que algo de mau-cheiroso parece ocorrer no principado do “Prêmio-Baixada”, bem como enfatizo, que a arte – mesmo não sendo comida – também é um produto de primeira necessidade, porque se imbui do teor e da prerrogativa de lapidar a alma, o caráter e a essencialidade dos homens; e o artista, por sua vez, não pode ser tratado como um número de complementação das metas dos organizadores de eventos, sendo que um prêmio, como o próprio nome o sugere, tem que ser conferido a quem o merece, e não aos meros parceiros de “buraco” de quem quer que seja, ou àqueles que apenas compactuam com a mesma política deste ou daquele poderoso cacique.

Eu, que já amarguei a calhorda incidência de um plágio sobre minha criação seguida de uma despótica e injusta decisão judicial, se ora repudio, tanto os ladrões da imaterialidade quanto seus protetores, que se movem pela conivência ou pela omissão, é porque, de certa maneira, eu também vivo para a arte, porque ela é um dos meus tantos ideais, mas, felizmente, nessa macabra dança das cadeiras que é o mundo artístico, eu não vivo dela. Assim, deixo ao alvedrio dos ilustres senhores do “conselho”, caso minhas modestas observações sejam capazes de ferir sua duvidosa sensibilidade, que me esqueçam, se quiserem fazê-lo, mas, por favor: que respeitem um pouco mais as tantas e tantas admiráveis expressões fidedignas da produção e da promoção cultural da nossa terra.

Mailton Rangel

Poeta da Baixada Fluminense

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Homogênese

Em 29/11/2010, dentre 426 poemas incritos, este angariou o prêmio de 2º colocado no "IX Concurso de Poesia da Cidade de Duque de Caxias - RJ.".




HOMOGÊNESE


Abram alas, ó gente minha,

Que a morte exige passagem;

E almeja pôr na bagagem

Este poeta mais uma andorinha,

Dois bispos,

Três onças pretas,

Quatro ladrões,

Cinco atletas;

Seis crias recém-paridas,

Sete peixes,

Quatorze magistrados,

Vinte dois idealistas,

Cento e setenta e um empresários,

Oitenta senadores de república,

Trezentos e quarenta e nove negrinhos sem pastoreio...

E uma vaca sagrada de “Krishna”.


Há de juntá-los em um só balaio,

Onde, em razão do espremido,

Não há olhar de soslaio,

Não há mugido arrogante,

Tampouco, as pompas altivas,

Nem divas,

Nem raparigas,

Sequer, senhor ou lacaio;

E em despojo, n’ante-sala,

Virá, da mistura, um cheiro

De cão perdigueiro e barro,

Com o pó-de-broca e escarro,

De alcatras virando adubo....


E pr’alguns que se escapolem,

Julgando-se ora seguros...

Assim como quem não quer nada,

Dentre as vísceras pastosas,

Pavorosa que só ela...

Ei-la, que surge equipada,

Ardilosa,

Cavernosa,

Grotesca

E dissimulada;

Porque a danada é ferenha,

E se é ferrenha...quer tudo!

E com o seu tubo estreito e forte

E afunilado...

E sem graça...

Que aspira recrudescente,

Sem cotejar cor ou raça,

Esganada, ela devora

Qualquer fauna que se aflora,

E a flora que mal se arvora...

Sendo que, depois do abraço,

Branco ou preto viram cinza,

Qualquer sangue irriga um pasto,

Todo orgulho ao pó retorna!


No entanto, passaria,

Sem fobia e com vantagem,

Quem fez as dietas certas

Das gorduras do caráter,

Pois o filtro afunilado...

– Vejam só, que amor-talhado!

Só permite que almas finas

Transpassem pr’um melhor lado.


Abram alas, minha gente:

Eis que a morte se aproxima;

Minha ânima me anima,

Mas a voz soa cansada;

E se ao fim da vã jornada,

Sem bússola,

Sem candeeiro,

Aos suspiros derradeiros,

Dou-me em seiva aos bons canteiros...

– Eis-me trigo enriquecido,

– Eis-me centeio macerado;

– Eis-me essencializado,

– Eis-me, em verso, terminado.



(Mailton Rangel)

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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ASAS DE POETA


Eu, ainda voluntariamente preso naquele menino emotivo que nunca deixarei de ser, sinto-me um simples homem que aprendeu muitas coisas na vida, mas não de forma fácil, porque quase sempre houve a obstinada aplicação de uma vontade férrea, tendo em vista que as minhas conquistas, na maioria dos casos, chegaram-me sob o implacável açoite de um intenso sofrimento.


No entanto, o lado gratificante dessa forma dura de conquistar consiste no fato de que somente o aprendizado – enquanto o mais verdadeiro de todos os tesouros – é que em mim permanece, porque as feridas das conquistas, devidamente cicatrizadas pelo tempo, já não me causam mais dor alguma, e sim, um sabor de vitória muito mais maduro e consubstanciado.


E a conjuntura dessa caminhada, por consequência, leva-me a discordar de um velho adágio: a roupa não faz o monge coisíssima nenhuma, quem o faz é o tempo, enquanto elemento sedimentador de toda a sabedoria para aqueles que a procuram, mas que, concomitantemente, também se dedicam continuamente ao exercício de extraí-la de cada pedra com a qual se venham esbarrando pelo seu caminho.


Porquanto, pelo fato de ter precocemente incluído a busca de uma essencialidade entre os meus ideais, creio que hoje, em termos de auto-aceitação, visão de mundo e senso de real liberdade, tenho muito mais do que mereço, embora também perceba a miríade de coisas que ainda me faltam; não exatamente para conquistar ou aprender, mas, principalmente, ver acontecer nos meandros da minha convivência, para que a minha modesta e inexplicável felicidade se continue tornando cada vez mais completa.


Sem dúvida alguma, eu já aprendi bastante. Entretanto, vejo que uma vasta gama dos atributos desse aprendizado – enquanto trancados dentro de mim ou servindo só aos meus propósitos – não encantam a quase ninguém nesta nossa sociedade contemporânea tão desprovida de sonhos e de ideais altruístas. Por isso, escolho aqui, para me orgulhar precipuamente, dentre as habilidades e até utopias que povoam o meu íntimo, só a minha modesta condição de poeta idealista.


Jamais quero desistir de lutar por um mundo melhor, mais ético, mais humanizado... Porém, tenho a mais plena consciência de que esse mundo que eu me proponho a mudar começa dentro de mim; e é nisso que ainda me reside uma inconformada frustração: o ser humano moderno, salvo inúmeras exceções, é um animal de índole um tanto parecida com a das najas indianas; não que ele seja genuinamente peçonhento ou que esteja sempre pronto para trair...Não, não!... Longe de mim tal comparação. O que quero dizer é que as pessoas só se enlevarão ao som suave e divino de uma simples flauta, e somente aceitarão mudar suas voluptuosas condutas, adotando uma postura mais pacífica em relação aos demais... pela assimilação de um novo sopro sonoro de vida.


A flauta não precisa ser de ouro nem de prata, mas sim, ser tocada com a emoção certa, porque mágica é a música, e não o instrumento, sendo que, no entanto, essa mágica também jamais se materializaria sem o sopro seguro e positivo de um bom encantador. Logo, se o milagre capaz de mudar o meu mundo começa comigo, sou eu que preciso aprender a soprar as notas corretas na flauta dos meus exemplos; sou eu que preciso aprender a encantar os que comigo convivem, porque, eles, depois que aprenderem a doçura do som que os encantou, trocarão indubitavelmente o seu guiso ou as suas assustadoras abas de ataque por essa nova e encantadora maneira de abordar aqueles que os cercam.


Pois eu lhes digo: enquanto poeta, eu sei que já possuo uma divinizada flautinha de junco, capaz de começar a encantar o meu mundo. Ninguém a vê, porque, além da natural insegurança dos que não podem errar na execução da música, esse instrumento precisa, em primeiro plano – para que seu maravilhante som surta o efeito que dele se espera – ser retirado do seu recôndito estojo... e ser empunhado e, em seguida, ser delicadamente colocado ao alvitre da boca preparada que emana da alma mansa, com toda a segurança, com toda a fé, com todo o otimismo.




SER



O som da flauta é divino,

Mas precisa sempre de um sopro humano

Para se manifestar!



(POEMADURO, Pg. 21)




Mailton Rangel



quinta-feira, 17 de setembro de 2009

AS VERDADEIRAS SEMENTES



A palavra democracia, intrinsecamente ligada à política, vem, de há muito, sendo empregada em condições alheias ou antagônicas ao seu verdadeiro significado. As ideologias de nacionalismo exacerbado que alguns ditadores e populistas impingem ao povo não traduzem tal ideal. Certo é que o amor à pátria costuma viajar nas asas dessa venerável senhora, mas, como eu já dizia na letra de uma canção que compus na adolescência, “patriotismo é amar um povo que se quer libertar, e não apenas respeitar uma bandeira”.

Isto porque, no meu entendimento, imprescindível mesmo de se venerar com ímpeto em uma nação são as suas pessoas, e não os seus símbolos.
Da mesma forma confundimos freqüentemente as palavras idealismo e ideologia que, apesar de derivadas de um mesmo radical e pertinentes à filosofia, possuem características semânticas conflitantes em relação à política, pois esta pode subsistir com ou sem ideologias e com ou sem idealismo. Entretanto, a verdadeira democracia – que não é aquela que brota fácil da boca de qualquer oportunista, pode comportar ideologias, porém jamais sequer germinará onde não houver o fermento transformador do idealismo que emana do povo.

Idealismo é coisa muito sublime; é a alavanca forjada pela lapidação do senso crítico do homem, pela sua própria iniciativa em busca dos “porquês” da vida em sociedade; é algo que se sedimenta em seu coração e impulsiona o “surgir” e o “desenvolver” de uma democracia em seu “habitat”. Mas a ideologia é coisa diferente. Não é o homem que a constrói em si mesmo, mas sim uma classe dominante, que, pelo poder da massificação onerosa – sinônimo de uma persuasão comprada junto aos meios de comunicação –, incute-a nas cabeças de um povo pobre ou desprovido de senso crítico, sempre no afã do proveito próprio.

Lembremo-nos por exemplo que nada se arraigou mais drasticamente no âmago de um povo do que a ideologia ariano-nacionalista dos nazistas, que sepultaram de vez a democracia na Alemanha, mas pronunciavam-na para o povo como se viva estivesse.

Uma ideologia vem quase sempre ao encontro dos propósitos dos tiranos, que a disseminam para que lhes sirva de veículo de dominação das massas.

Os idealistas, porém, pelo inconformismo que carregam no peito, são a antítese da tirania. Jamais aceitam a coisificação de seus compatriotas alienados. Fundamentam suas esperanças em uma militância que busca mudanças radicais, até que estas comecem a aflorar ou que o poder os destrua. Isto sim, a meu ver, é a verdadeira semente da democracia e do bem comum, que, por mais rarefeita que se encontre, jamais se extinguirá de vez.

Os militares da ditadura que ocorreu no Brasil também disseminavam ideologias; “blasfemavam” a palavra democracia por todos os lados e, em nome dela, assassinavam nossos irmãos com a mesma frieza dos nazistas. Entretanto, uma das pequenas diferenças, no que tange à proporção das atrocidades cometidas, é o fato de que os nazistas pareciam gostar do seu povo, tentando considerá-los como cidadãos e preferindo exterminar estrangeiros. Já os militares no Brasil, pareciam gostar bastante dos estrangeiros, especialmente daqueles que nos dominavam economicamente – o que, de certa forma, ainda fazem – e financiavam o golpe e a repressão, preferindo, portanto, matar ou torturar seu próprio povo.

E quais eram os brasileiros perseguidos por seus próprios irmãos imbuídos de farda, poder e pseudo-legitimidade???... Eram aqueles que “enxergavam” um pouco mais que a grande massa e tentavam plantar a semente de uma verdadeira democracia. Eram, principalmente, os que lidavam com as letras, com a música, com a poesia... e que por essa aguçada percepção crítica, peculiar aos amantes das artes, percebiam com clareza que Democracia pressupõe governo legítimo, que governe pelo povo e para o povo, e um “status quo” pautado em justiça e igualdade.
A característica marcante dos que dominam sob a égide da anti-democracia é não permitir que o povo se eduque politicamente, porque aqueles que se fermentam através da cultura adquirem senso crítico para perceber a grandeza da fala do filósofo Teilhard Chardin: “só se é livre quando todos o são” .

Por tudo isso, enquanto poeta e idealista; tempos atrás eu concebi um poemeto, que acabou publicado no POEMADURO, o meu livrinho mais recente:



LEMBRANÇA

Por mim,
Não existiria uma só praça
Com nome de general!
Porque praça
É lugar de crianças,
E general que tem “nome”,
Ainda hoje me lembra...
Matanças!

Mailton Rangel.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Milagres

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MILAGRES


Não sei se existem milagres, na exata forma em que o senso comum os entende, ao molde de uma taça com água que se pudesse transformar em vinho, ou de um cego que – mediante a instantaneidade do toque de uma varinha mágica acionada por uma divindade qualquer, passasse a enxergar. Porém... uma coisa admirável eu extraio das minhas concatenações: todo ser humano tem, dentro de si, inúmeras alavancas da índole e dos sentimentos, que, se devidamente acionadas, podem suscitar prodígios inimagináveis.

A fé, por exemplo, pode nem mover literalmente um acidente geográfico composto pela sedimentação de milhões de toneladas de rochas e outros elementos da natureza, mas... sem dúvida, em qualquer época, sempre se percebeu que – pela energia inexplicável que emana da sua aplicação – pelo menos quantidades enormes do entulho que alimenta as amarguras humanas foram desintegradas ou diminuídas.

Outra verdade inegável é que as pessoas que compreendem a força transformadora do amor, da ética e da generosidade, e que, por essa compreensão, procuram situar-se em uma vivência alicerçada em tais sentimentos, geralmente adquirem condições de conquistar o sucesso, a alegria e a auto-realização com muito mais facilidade do que aqueles que se pautam pela truculência, egoísmo, empáfia ou auto-suficiência.

Diante disso, se é que existem os milagres, vê-se que a vida jamais deixou de representar o mais verdadeiro e substancial de todos eles, mas, para o homem – um animal gregário por excelência, e cuja dignidade existencial depende precipuamente de um uso adequado do atributo da racionalidade, e isso também envolve a fé – esse milagre primordial não se fermenta nem se otimiza por obra do acaso ou de elementos mágicos de qualquer espécie, e sim, pela nossa forma de interação com o meio ao qual pertencemos, pela coerência e até pelo altruísmo do nosso posicionamento diante da natureza e dos nossos semelhantes.

Nós, nesse contexto, “colhemos aquilo que plantamos!”. Tal jargão pode ser um dos mais arcaicos, mas a sua validade, desde que também vista pelo ângulo adequado, parece perene e incontestável, pois, quem se propõe a servir de exemplo e milagre para outrem, na medida de suas possibilidades e pela coerência de suas atitudes, certamente há de encontrar ou receber tudo que lhe seja necessário para sentir-se bem e harmonizado; já aqueles que, por mera indolência, não plantarem coisa alguma, também nada colherão, e outros, ainda, que plantarem só as ervas daninhas da iniquidade ou da indiferença, por mais riquezas materiais, saúde, beleza etecetera, que possam vir a possuir ou acumular, dificilmente terão, sequer, o conforto e a singela alegria de acreditar em milagres ou até mesmo de identificá-los, se eles porventura existirem.

Mailton Rangel.