Poemaduro

Poemaduro
O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ASAS DE POETA


Eu, ainda voluntariamente preso naquele menino emotivo que nunca deixarei de ser, sinto-me um simples homem que aprendeu muitas coisas na vida, mas não de forma fácil, porque quase sempre houve a obstinada aplicação de uma vontade férrea, tendo em vista que as minhas conquistas, na maioria dos casos, chegaram-me sob o implacável açoite de um intenso sofrimento.


No entanto, o lado gratificante dessa forma dura de conquistar consiste no fato de que somente o aprendizado – enquanto o mais verdadeiro de todos os tesouros – é que em mim permanece, porque as feridas das conquistas, devidamente cicatrizadas pelo tempo, já não me causam mais dor alguma, e sim, um sabor de vitória muito mais maduro e consubstanciado.


E a conjuntura dessa caminhada, por consequência, leva-me a discordar de um velho adágio: a roupa não faz o monge coisíssima nenhuma, quem o faz é o tempo, enquanto elemento sedimentador de toda a sabedoria para aqueles que a procuram, mas que, concomitantemente, também se dedicam continuamente ao exercício de extraí-la de cada pedra com a qual se venham esbarrando pelo seu caminho.


Porquanto, pelo fato de ter precocemente incluído a busca de uma essencialidade entre os meus ideais, creio que hoje, em termos de auto-aceitação, visão de mundo e senso de real liberdade, tenho muito mais do que mereço, embora também perceba a miríade de coisas que ainda me faltam; não exatamente para conquistar ou aprender, mas, principalmente, ver acontecer nos meandros da minha convivência, para que a minha modesta e inexplicável felicidade se continue tornando cada vez mais completa.


Sem dúvida alguma, eu já aprendi bastante. Entretanto, vejo que uma vasta gama dos atributos desse aprendizado – enquanto trancados dentro de mim ou servindo só aos meus propósitos – não encantam a quase ninguém nesta nossa sociedade contemporânea tão desprovida de sonhos e de ideais altruístas. Por isso, escolho aqui, para me orgulhar precipuamente, dentre as habilidades e até utopias que povoam o meu íntimo, só a minha modesta condição de poeta idealista.


Jamais quero desistir de lutar por um mundo melhor, mais ético, mais humanizado... Porém, tenho a mais plena consciência de que esse mundo que eu me proponho a mudar começa dentro de mim; e é nisso que ainda me reside uma inconformada frustração: o ser humano moderno, salvo inúmeras exceções, é um animal de índole um tanto parecida com a das najas indianas; não que ele seja genuinamente peçonhento ou que esteja sempre pronto para trair...Não, não!... Longe de mim tal comparação. O que quero dizer é que as pessoas só se enlevarão ao som suave e divino de uma simples flauta, e somente aceitarão mudar suas voluptuosas condutas, adotando uma postura mais pacífica em relação aos demais... pela assimilação de um novo sopro sonoro de vida.


A flauta não precisa ser de ouro nem de prata, mas sim, ser tocada com a emoção certa, porque mágica é a música, e não o instrumento, sendo que, no entanto, essa mágica também jamais se materializaria sem o sopro seguro e positivo de um bom encantador. Logo, se o milagre capaz de mudar o meu mundo começa comigo, sou eu que preciso aprender a soprar as notas corretas na flauta dos meus exemplos; sou eu que preciso aprender a encantar os que comigo convivem, porque, eles, depois que aprenderem a doçura do som que os encantou, trocarão indubitavelmente o seu guiso ou as suas assustadoras abas de ataque por essa nova e encantadora maneira de abordar aqueles que os cercam.


Pois eu lhes digo: enquanto poeta, eu sei que já possuo uma divinizada flautinha de junco, capaz de começar a encantar o meu mundo. Ninguém a vê, porque, além da natural insegurança dos que não podem errar na execução da música, esse instrumento precisa, em primeiro plano – para que seu maravilhante som surta o efeito que dele se espera – ser retirado do seu recôndito estojo... e ser empunhado e, em seguida, ser delicadamente colocado ao alvitre da boca preparada que emana da alma mansa, com toda a segurança, com toda a fé, com todo o otimismo.




SER



O som da flauta é divino,

Mas precisa sempre de um sopro humano

Para se manifestar!



(POEMADURO, Pg. 21)




Mailton Rangel



quinta-feira, 17 de setembro de 2009

AS VERDADEIRAS SEMENTES



A palavra democracia, intrinsecamente ligada à política, vem, de há muito, sendo empregada em condições alheias ou antagônicas ao seu verdadeiro significado. As ideologias de nacionalismo exacerbado que alguns ditadores e populistas impingem ao povo não traduzem tal ideal. Certo é que o amor à pátria costuma viajar nas asas dessa venerável senhora, mas, como eu já dizia na letra de uma canção que compus na adolescência, “patriotismo é amar um povo que se quer libertar, e não apenas respeitar uma bandeira”.

Isto porque, no meu entendimento, imprescindível mesmo de se venerar com ímpeto em uma nação são as suas pessoas, e não os seus símbolos.
Da mesma forma confundimos freqüentemente as palavras idealismo e ideologia que, apesar de derivadas de um mesmo radical e pertinentes à filosofia, possuem características semânticas conflitantes em relação à política, pois esta pode subsistir com ou sem ideologias e com ou sem idealismo. Entretanto, a verdadeira democracia – que não é aquela que brota fácil da boca de qualquer oportunista, pode comportar ideologias, porém jamais sequer germinará onde não houver o fermento transformador do idealismo que emana do povo.

Idealismo é coisa muito sublime; é a alavanca forjada pela lapidação do senso crítico do homem, pela sua própria iniciativa em busca dos “porquês” da vida em sociedade; é algo que se sedimenta em seu coração e impulsiona o “surgir” e o “desenvolver” de uma democracia em seu “habitat”. Mas a ideologia é coisa diferente. Não é o homem que a constrói em si mesmo, mas sim uma classe dominante, que, pelo poder da massificação onerosa – sinônimo de uma persuasão comprada junto aos meios de comunicação –, incute-a nas cabeças de um povo pobre ou desprovido de senso crítico, sempre no afã do proveito próprio.

Lembremo-nos por exemplo que nada se arraigou mais drasticamente no âmago de um povo do que a ideologia ariano-nacionalista dos nazistas, que sepultaram de vez a democracia na Alemanha, mas pronunciavam-na para o povo como se viva estivesse.

Uma ideologia vem quase sempre ao encontro dos propósitos dos tiranos, que a disseminam para que lhes sirva de veículo de dominação das massas.

Os idealistas, porém, pelo inconformismo que carregam no peito, são a antítese da tirania. Jamais aceitam a coisificação de seus compatriotas alienados. Fundamentam suas esperanças em uma militância que busca mudanças radicais, até que estas comecem a aflorar ou que o poder os destrua. Isto sim, a meu ver, é a verdadeira semente da democracia e do bem comum, que, por mais rarefeita que se encontre, jamais se extinguirá de vez.

Os militares da ditadura que ocorreu no Brasil também disseminavam ideologias; “blasfemavam” a palavra democracia por todos os lados e, em nome dela, assassinavam nossos irmãos com a mesma frieza dos nazistas. Entretanto, uma das pequenas diferenças, no que tange à proporção das atrocidades cometidas, é o fato de que os nazistas pareciam gostar do seu povo, tentando considerá-los como cidadãos e preferindo exterminar estrangeiros. Já os militares no Brasil, pareciam gostar bastante dos estrangeiros, especialmente daqueles que nos dominavam economicamente – o que, de certa forma, ainda fazem – e financiavam o golpe e a repressão, preferindo, portanto, matar ou torturar seu próprio povo.

E quais eram os brasileiros perseguidos por seus próprios irmãos imbuídos de farda, poder e pseudo-legitimidade???... Eram aqueles que “enxergavam” um pouco mais que a grande massa e tentavam plantar a semente de uma verdadeira democracia. Eram, principalmente, os que lidavam com as letras, com a música, com a poesia... e que por essa aguçada percepção crítica, peculiar aos amantes das artes, percebiam com clareza que Democracia pressupõe governo legítimo, que governe pelo povo e para o povo, e um “status quo” pautado em justiça e igualdade.
A característica marcante dos que dominam sob a égide da anti-democracia é não permitir que o povo se eduque politicamente, porque aqueles que se fermentam através da cultura adquirem senso crítico para perceber a grandeza da fala do filósofo Teilhard Chardin: “só se é livre quando todos o são” .

Por tudo isso, enquanto poeta e idealista; tempos atrás eu concebi um poemeto, que acabou publicado no POEMADURO, o meu livrinho mais recente:



LEMBRANÇA

Por mim,
Não existiria uma só praça
Com nome de general!
Porque praça
É lugar de crianças,
E general que tem “nome”,
Ainda hoje me lembra...
Matanças!

Mailton Rangel.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Milagres

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MILAGRES


Não sei se existem milagres, na exata forma em que o senso comum os entende, ao molde de uma taça com água que se pudesse transformar em vinho, ou de um cego que – mediante a instantaneidade do toque de uma varinha mágica acionada por uma divindade qualquer, passasse a enxergar. Porém... uma coisa admirável eu extraio das minhas concatenações: todo ser humano tem, dentro de si, inúmeras alavancas da índole e dos sentimentos, que, se devidamente acionadas, podem suscitar prodígios inimagináveis.

A fé, por exemplo, pode nem mover literalmente um acidente geográfico composto pela sedimentação de milhões de toneladas de rochas e outros elementos da natureza, mas... sem dúvida, em qualquer época, sempre se percebeu que – pela energia inexplicável que emana da sua aplicação – pelo menos quantidades enormes do entulho que alimenta as amarguras humanas foram desintegradas ou diminuídas.

Outra verdade inegável é que as pessoas que compreendem a força transformadora do amor, da ética e da generosidade, e que, por essa compreensão, procuram situar-se em uma vivência alicerçada em tais sentimentos, geralmente adquirem condições de conquistar o sucesso, a alegria e a auto-realização com muito mais facilidade do que aqueles que se pautam pela truculência, egoísmo, empáfia ou auto-suficiência.

Diante disso, se é que existem os milagres, vê-se que a vida jamais deixou de representar o mais verdadeiro e substancial de todos eles, mas, para o homem – um animal gregário por excelência, e cuja dignidade existencial depende precipuamente de um uso adequado do atributo da racionalidade, e isso também envolve a fé – esse milagre primordial não se fermenta nem se otimiza por obra do acaso ou de elementos mágicos de qualquer espécie, e sim, pela nossa forma de interação com o meio ao qual pertencemos, pela coerência e até pelo altruísmo do nosso posicionamento diante da natureza e dos nossos semelhantes.

Nós, nesse contexto, “colhemos aquilo que plantamos!”. Tal jargão pode ser um dos mais arcaicos, mas a sua validade, desde que também vista pelo ângulo adequado, parece perene e incontestável, pois, quem se propõe a servir de exemplo e milagre para outrem, na medida de suas possibilidades e pela coerência de suas atitudes, certamente há de encontrar ou receber tudo que lhe seja necessário para sentir-se bem e harmonizado; já aqueles que, por mera indolência, não plantarem coisa alguma, também nada colherão, e outros, ainda, que plantarem só as ervas daninhas da iniquidade ou da indiferença, por mais riquezas materiais, saúde, beleza etecetera, que possam vir a possuir ou acumular, dificilmente terão, sequer, o conforto e a singela alegria de acreditar em milagres ou até mesmo de identificá-los, se eles porventura existirem.

Mailton Rangel.