Poemaduro

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O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O ASSASSINATO DE PATRÍCIA

Quadrigêniton I

Óleo sobre tela - Mailton Rangel




O ASSASSINATO DE PATRÍCIA

(Repúdio e considerações - Mailton Rangel).

Além de escritor, atividade que, por si só, nunca me conferiu o pleno sustento, sou Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; e, assim como os homens e mulheres sensatos e éticos deste Brasilzão, fiquei completamente aparvalhado com o assassinato da jovem Magistrada Patrícia Acioli, da 4ª Vara Criminal da Comarca de São Gonçalo – RJ.; por isso, até demorei esse pouquinho para manifestar minha indignação, o que ora faço.

Minha costumeira e não letal arma de reação é a caneta ou o teclado do computador, que, quando usados com esmero e perícia, podem apresentar um poder de “fogo” muito mais acentuado que as malditas pistolas automáticas dos monstros assassinos que andam soltos por aí, posto que – felizmente – ainda não se inventou a possibilidade de fuzilamentos virtuais ou midiáticos em massa.

Mas, para que os apetrechos do bem, como os meus, funcionem proficuamente, temos às vezes que perder a omissa precaução de expor, tanto a fisionomia sem maquiagem do nosso repúdio quanto a nossa própria cara, às vezes fragilizada pelo generalizado desamparo social que vivenciamos, assim como, sempre sujeita, também, a possíveis covardes retaliações, não só dos nefastos aparatos bélicos dos assassinos, mas até de outras canetas exponencialmente mais poderosas que as nossas e nem sempre justas.

Afinal, se agora matam até Juízes de Direito por aqui, significa dizer que a vida, as instituições e, especialmente, a harmonia profissional dos que se arvoram a denunciar, já não valem absolutamente nada.

Nesse contexto, ficar acocorado sobre o muro indigno da omissão ou imparcialidade poderia ser, para um Serventuário como eu, a atitude mais conveniente, especialmente porque eu ainda sou daqueles que adoram falar muito. Contudo, penso que tanto um país quanto o nosso pequeno bairro ou condomínio jamais se fazem substancialmente apreciáveis e justos com base nos nossos silêncios, conivências ou covardias, mas sim, dentre outras tantas atitudes necessárias, pela propagação de denúncias responsáveis e reações veementes.

Por isso, enquanto teclado e caneta me servem como humilde arma, a alma e a língua indignadas que carrego não podem deixar de representar a munição que disparo, para tentar ferir e acordar, respectivamente, os bandidos – sejam eles institucionalizados ou não – e os cidadãos acomodados da sociedade.

Vejam só, o inglório estado de evolução negativa que nosso país acaba de alcançar: assassinar juízes, presidentes de repúblicas, ministros e altas autoridades em geral, embora já se situe em um passado, sempre foi coisa de primeiro mundo, algo que só acontecia na Itália, França, Estados Unidos... Pois, em nosso país, essa é a involução que, a meu ver, começa com uma perpetuada deturpação da democracia, um flagelo que se implanta e consolida de cima para baixo, num efeito cascata de fluxo constante; e para se saber por que as investidas criminosas contra instituições no primeiro mundo vêm perdendo a consistência, basta comparar as leis penais de lá com as daqui.

Eu, para ser franco, tenho até certa prevenção diante da dualidade existencial dos juízes. Convivo com alguns, mas sob os sagrados mantos da discrição e da invisibilidade, ou melhor: cruzo-lhes o caminho pelos corredores do Fórum, e isso me ocasiona perceber – genuinamente na condição de pessoa de alguns deles e salvo gratas exceções – um certo assoberbamento, trazido-lhes, talvez, pelo temor de se misturar, especialmente com os seus comandados, como forma de “não dar confiança” a quem deve ser mantido à devida distância ou a quem, enfim, destina-se apenas a lhes devotar, sem “intimidades”, o total e subserviente respeito e obediência; desde que – isto sou eu que acrescentaria – na conformidade estrita da lei.

Enfim, coisas de autoridade insegura, mas... até compreensíveis, em face do atual estado de barbárie e desrespeito da sociedade, especialmente para com suas instituições!

Todavia, há o reverso dessa moeda, vertente oposta da opinião que expus acima: O juiz é sim, por outro lado, um ente absolutamente apreciável e imprescindível enquanto Instituição do Estado de Direito. A lei o ratifica como tal; por isso, em sua condição de indivíduo (pessoa), assim como nós, ele se impõe ao dever de cumprir incondicionalmente a lei, mesmo que a considere injusta; enquanto que, acima disso – já no sacerdotal exercício de sua função, onde ele se configura como materialização legal do próprio Estado, ele é a “Instituição” que faz cumprir, mesmo se, como antes, a lei em causa lhe pareça injusta ou obtusa.

Pode não parecer, mas o assassinato da nossa juíza tem muito a ver com tudo isso!

Observe-se, a despeito do depreciativo jargão que preconiza: “A polícia prende, mas a Justiça solta”, que, notoriamente, dentre os três Poderes instituídos, o Judiciário, apesar de também ter os seus inúmeros defeitos, ainda é – incontestavelmente – o mais digno e produtivo; aliás o único dos três onde o postulante ao cargo que confere a prerrogativa de “autoridade” (o juiz), depende de exaustiva carga de estudo e da aprovação em concurso público de provas e/ou títulos, o que difere substancialmente da “autoridade” eleita nos Executivos e nos Legislativos de qualquer esfera da Federação.

Aventa-se pela imprensa, a hipótese de que a Magistrada tenha sido assassinada por policiais. Será?... É, pode ser que sim. No entanto, sendo tais assassinos policiais ou não, creio que, sob um tanto de conotação no que digo, eles não agiram sozinhos, porque contaram, para a prática do delito, com a ajuda de importantíssimos co-autores.

Aqui, se a polícia, que pertence ao Executivo, salvo apreciáveis exceções, é podre de dar nojo é porque, salvo boas exceções também, o Legislativo é muito mais podre ainda. Por consequência, o bandido propriamente dito, que sequer teria, em tese, um emprego público a zelar, pode até ter nuances diferenciadas, mas o mau policial que mata indevida ou indiscriminadamente juízes, criancinhas ou seja lá quem for, só o faz com tanta contumácia porque o legislador, estúpido por tradição, não tem competência e nem interesse, salvo raras exceções, para elaborar e/ou aprimorar as leis obsoletas que se encontram em vigor no país, assim como, também, porque o eleitor que elege político burro ou desonesto, também se encaixa perfeitamente nesses adjetivos, propiciando potencialmente o aumento dos absurdos legais, criminais e corrupcionais, se é que tal palavra seja passível de existência. Isto, para mim, também representa outro tipo de co-autoria.

Pois, eis aqui o lado positivo e, felizmente, majoritário da Justiça: se ela condena e/ou manda soltar indivíduos, sendo criminosos ou não, é porque meramente segue, cumpre e faz cumprir o teor da lei; lei esta que, em muitos casos, é estapafúrdia e tendenciosa – estabelecida, às vezes, em prol de interesses corporativos, oportunistas ou escusos daqueles que as formulam, e, ainda: outras e outras mazelas, como “a lentidão da justiça”, por exemplo, também emanam da inadequação de inúmeras leis, tanto materiais quanto instrumentais.

Mas, no Brasil, é o povo que elege deputados e senadores; e aí nos vem à baila outro jargão controverso: “O povo é o culpado pela péssima estrutura legislativa, porque é ele que elege os legisladores”. Opa, esperem aí: a droga do voto não é obrigatória neste país de povo despolitizado?...

Aqui, alguns analfabetos votantes, sem sequer decodificar palavras ou identificar a cara do facínora que aparece no visor da urna, apenas para não “pagar o mico” de ser considerado inepto pelos mesários, soca o dedão na tecla verde e sai todo garboso, com a sensação de “dever cumprido”. Isso, gente, é muito triste, pois, voto de analfabeto, para mim não passa de uma das tantas deturpações legais instituídas pelo oportunismo político.

Por outro lado, considerando-se que, entre outras coisas que dependem de otimização das leis, tanto os salários dos policiais quanto a penalização sobre os crimes que alguns deles cometem deveriam ser muito maiores, eu volto a repetir: tudo isso, associado à aludida deturpação legal, tem muito a ver com o assassinato da Juíza.

A tecla verde da urna eletrônica, como bem disse minha filha um dia, para tais eleitores, não deveria se chamar “confirma”, e sim, “foda-se”, porque é isso que deve vir à mente daqueles que nem sabem em quem estão votando, na hora da imponente “dedada” cega.

É assim que se perpetuam “lobos”, “hienas” e “antas” no poder. E o povo, como um todo, tentando sinceramente votar certo ou não, até teria a totalidade da culpa sim, desde que os detentores do poder, especialmente legisladores, tivessem a constitucional atitude de lhe oferecer educação e politização, dentre outros benefícios altruístas, ao invés de aliciamento, populismo ou encabrestamento eleitoral.

É a lei, gente: “Dura Lex, sed Lex!”

Dizem que, por reiteradas vezes, a Dra. Patrícia tanto foi ameaçada de morte quanto requereu, junto às autoridades competentes, especialmente uns sucessivos presidentes do Tribunal de Justiça, a proteção policial que, nos últimos anos, ao que se sabe, sempre lhe foi omissa e covardemente negada. E aqui cabe uma pergunta confusa: Negar proteção à magistrada ampla e notoriamente ameaçada também não seria uma bela forma de co-autoria no seu assassinato?

Noutra vertente, imaginemos: se estivéssemos num país de leis bem elaboradas e essa proteção em caráter permanente – assim como é para Presidente da República, Governador e etc. – estivesse também sacramentada por lei em relação aos juízes, provavelmente, a digna Julgadora ainda estaria viva e atuante, cuidando do seu mister e expurgando um pouco mais da escória que assola a sociedade.

A lei revela que o Juiz de Direito não é mero Servidor Público, mas sim uma “Instituição” do Estado de Direito. No entanto, enquanto Patrícia já se encontra tristemente silenciada, eu, no âmbito do Brasil, não me lembro de nenhum deputado federal ou estadual que tenha sido assassinado com tantos tiros (21). Parece que a segurança e proteção policial para eles não se vê discricionariamente considerada como desnecessária, conforme ocorreu com a nossa Magistrada.

Para terminar, reevidenciando a parcela de culpa que, nessa democracia de mentirinha, o povo tem, tanto no caso da juíza quanto em qualquer morte injusta e desnecessária que ocorra entre nós, deparei-me, há uns três dias, com uma mensagem de “status” do Facebook, cujo autor eu não lembro, onde, com outras palavras, lia-se que, enquanto uma parada gay, um show na praia ou um bloco carnavalesco agregam festivamente centenas de milhares de pessoas, esse mesmo povo – enquanto célula coletiva da população brasileira – nunca se coaduna de verdade para lutar por direitos inalienáveis, leis e parlamentares mais dignos e esclarecidos, bem como contra a corrupção, este câncer maior que nos corrói e que se vê noticiado todos os dias pela mídia de todos os tipos

(Mailton Rangel)

2 comentários:

  1. Olá Caríssimo,
    este texto é comovente, os questionamentos que me faço diariamente estão escrito com destreza e com
    a singularidade que sempre encontro na sua escrita.
    Eu não saberia dizer de forma mais sincera e eficaz. Parabéns!

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  2. Mais comovente, Cristhina, é o carinho que você sempre me traz, é a presença, é o abraço virtual...

    Obrigado, querida!

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