FUTURIZANDO
Na paisagem do futuro
Não haverá papel com letras polidas,
Metabolismo mental lapidado;
Grafo-estruturado
Pra desabrochar nossas cabeças.
Não haverá
A semente-sensibilidade do poeta,
Porque as próprias mãos da semeadura
Estarão inertes,
Obsoletas,
Carbonizadas, talvez,
Putrefatas pelo tempo;
Inservíveis para o contexto da modernidade.
Então,
Remanescerão apenas,
Atitudes e conceitos selecionados
Pela magnânima tecnologia evolucionista.
E restará,
Sob as cinzas redentoras da sapiência total,
O brilho dos sorrisos do passado,
Os olhos apagados das crianças,
Os sonhos coloridos das pessoas,
Os abraços de fraternidade,
E tudo mais...
Que salpicasse a vida de alegria!
Seremos superiores humanóides,
Desprovidos de vãos sentimentalismos,
Expurgados das torpes lembranças
Do tempo em que ainda se podia ser e viver,
Ao invés de ter e existir.
Com isso,
As frívolas motivações do amor estarão soterradas
Pelos escombros da simplicidade.
Não haverá mais sentimentos espontâneos.
...Tudo estará pesquisado,
...Tudo estará conquistado,
– Tudo estará programado...
– Tudo estará programado...
– Tudo estará programado...
E não haverá mais a necessidade da poesia!
Não haverá mais o medo nem a coragem;
Não haverá o idealismo...
E, como tatus gigantes em carapaças de aço,
Todos estarão imunes a tudo.
Não haverá mais a morte total da matéria,
Porque nossos cérebros embalsamados
Se eternizarão,
Incrustados
Em metálicas estruturas humaniformes!
Promover-se-á a automatização de tudo,
E até os eventuais cadáveres remanescentes
Não mais serão enterrados,
Nem carcomidos na seiva orgânica da terra;
Continuarão, ao contrário,
Perambulando,
Clinicando,
Ministrando,
Subjugando...
Permutando os sorrisos comerciais
E assinando cheques e contratos
Em nome de todos os outros autômatos.
Não haverá mais fome,
Nem favelas,
Nem lixeiras...
Não haverá madeira,
Nem plantações,
Nem pecuária...
Pois, todo o lixo hoje existente
Será catalisado,
Transformado em combustível,
Abrigos descartáveis,
Comida sintética...
Não haverá, sequer,
Mistérios indecifráveis
Para essa humanoidade reinante!
Nossas florestas serão de plástico,
E as nossas pessoas serão frias,
Práticas,
Estéreis...
Tendo-se em vista
Que todo o trabalho será das máquinas!
Assim como o produto de todo o trabalho, também!
E todos, definitivamente,
Ver-se-ão voluntariamente induzidos
A comer o mínimo que lhes couber,
Sem se sentirem insatisfeitos.
Não haverá mais violência:
Pois, já não haverá mais alguém para se violentar!
Não haverá sentimentos ou atitudes
Inibitórios do “status quo” maravilhante.
Não haverá o carinho,
A sinceridade,
A espontaneidade,
O afago...
Não haverá a alegria!
Nem haverá sonhos,
Aspirações,
Revoltas,
Inconformismos...
Só restará uma cinzenta névoa
De realidade, de automatismo...
Não haverá a flor,
O namoro,
O violão...
Não haverá mais...
(Mailton Rangel)
Publicado no livro POEMADURO.
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