CONTRATEMPINHO
Durante a fase de assentamento de toda aquela poeirada, enquanto ainda ocorria a organização orbital dos fragmentos oriundos da mais magnífica explosão de “nada” de todos os tempos... nunca se ouviu; porque o mentor supremo falava para si mesmo, ou seja: para o único ser digno – em qualquer lapso temporal – de ouvir-lhe as altíssimas e tonitruantes palavras; muito embora Ele, por uma modéstia irrepreensível, às vezes se alternasse em seu monólogo, entre toda a grandeza de sua singularidade ímpar e uma simplória primeira pessoa do plural:
– Ora, mas que ironia de uns dez tinos... – seu sotaque era nordestino – Criamos esses efeitozinhos para que, “a posteriori” – seu latim era fluente –, justificassem-se a existência das miniaturas que planejei para colorir e animar o transcurso obscuro dos milionênios... e um desses fragmentos insolentes me surpreende e avacalha dessa forma... E o pior... é que eu ainda nem permiti que se inventassem as farmácias ou os colírios nesse multi-versinho que acabo de fazer... Ah... mas deve ser só um torrãozinho de nada; eu nem vou esfregar, porque esse danado pode me incomodar mais ainda!... Talvez essa porcariazinha, com o tempo, derreta-se sozinha e saia, durante meu sono ou pelo fluxo de uma esporádica lágrima ocasionada por minha reação orgânica!
E foi a partir desse momento que aquele planetinha se restava fadado a permanecer boiando na liquidez plácida e azul da íris do olho esquerdo de Deus, até que Este, por um possível incômodo mais acentuado com o referido cisco – o que felizmente ainda não ocorreu – recorresse a um bom oftalmologista, com o fito de retirar a coisa de ambas as órbitas e despojá-la numa lixeira cósmica qualquer.
(Mailton Rangel)
texto de gente grande. dá abertura de mil leituras para mil lugares. não há como não sorrir com a liberdade com que escreves.
ResponderExcluirQue bacana, Creito, ver você aqui com esse carinho especial...
ResponderExcluirAbração!