Poemaduro

Poemaduro
O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

TANTO

TANTO


Incumbiram-me, certa feita, de dissertar sobre a paz, mas eu me recusei terminantemente: não o fiz! Apenas lhes respondi, enfaticamente, que essa tão almejada condição não se pode confundir com qualquer pombinha branca, que até nos poderia encantar com a sua controversa leveza, porém, logo que se vê liberta, evade-se de pronto, tão arredia quanto alheia e aflita, a fim de se distanciar, tanto do nosso equivocado olhar quanto dessa nossa mais premente esperança!

Disse-lhes eu, ainda, que essa tão substancial escrita não se faz só com a ponta da pena em mãos mal-alfabetizadas; porque grande seria a possibilidade de se estar instituindo só mais uma inócua grafia; só mais um símbolo oco, que já nasceria desprovido de verossimilhança, porque provavelmente aflorara despido do embrião da fraternidade.

Assim, até com uma boa dose de redundância, eu lhes enfatizei que grafar a paz é ato que não se faz só, porque a idéia-cópia que se estampará no papel precisa emanar de um idealismo pré-insculpido nas mentes e nos corações de muitos e muitos pacificadores.

Propus-me apenas a mostrar a eles que um pergaminho de luz, diferentemente de um papel inadequado e comum, somente se forja pelo bom entrelaçamento das diferentes fibras da essencialidade humana, explicando-lhes, em suma, que a almejada paz nunca brotaria apenas de um texto, que apesar de aludir ao voo da perniciosa ave assustada, deixasse de se estruturar sobre o bom alicerce de atos e intenções do verdadeiro altruísmo.

Adverti-os de que, embora toda palavra seja uma semente, essa seria uma das mais difíceis de se cultivar, tendo-se em vista que ela, paradoxalmente, traduz a mais imprescindível prática para toda e qualquer existência e vida social de verdade.

Gritei-lhes, afinal, que o que ali se encontrava em pauta era um sublime ideal, que muitos estão aptos a escrever e ‘decodificar’, mas pouquíssimos o vivenciam, e, por isso, eu não escreveria absolutamente nada sobre a paz, porque toda intenção que se confina em um tosco contexto de papel comum, jamais desempenharia, na prática, papel algum para todos nós.



Mailton Rangel.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

UNICUS


UNICUS

(Devaneio lírico de um Serventuário de Justiça)



Inconstitucionalissimamente:

Tolhido vago em Justiça amorfa,

Se sem vislumbrar em líquida certeza

O ‘fumus boni iuris’ da límpida teoria,

Deixei de crer em qualquer ‘decisum’

Que emirja das togas cruas!


Inconstitucionalissimamente...

Arando a lavra com meu sal do rosto,

Rastejo só ante a emergente cria

Do vil embargador que desengrena o ranço

De um joio que desigualmente se rega

Sempre com o jorro da minha sangria.


Inconstitucionalissimamente,

De tão subalterno, vil e diferenciado,

Isento-me dos vícios e, assim, não trago!

Porém, qual fumaça que vidro algum embaçaria,

Igualitariamente jazo viciado...

Mas nunca que me dissipo... e sequer... fumo!


Inconstitucionalissimamente,

Se fluo no vernáculo, vem-me a punição

Das mãos sob os auspícios d’altiva treva,

E assim, serei por todo sempre reles vassalo;

Destarte, o que me cabe é feno e trabalho,

Se – feito mau cavalo – eis que eu mal rumino!


Inconstitucionalissimamente,

Se o verbo tergiversa eu me desconstituo,

E à pena da juizite, judico sem ar,

Se o códex gelado é desinterpretado,

Transmudo em peixe arisco ao seco largado,

Ou frijo à hipocrisia, sem chance de nadar.


Inconstitucionalissimamente,

Esfalfo-me em sinais para o olhar errôneo,

Qual bucha de balão que já se apaga usada,

E assim, sem brilho ou verniz, eu me desfaço,

E às penas, só assumo...

E somente sumo!



(Mailton Rangel).

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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

"A Importância do Ato de Ler"


Considerações sobre a obra “A Importância do Ato de Ler”, de Paulo Freire.

O conceito geral daquilo que se deve entender por “ler” sintetiza a condição ou o atributo que verdadeiramente liberta o ser humano, tornando-o apto a melhor viver e conviver, sendo mais feliz consigo mesmo e com o mundo em que se encontra inserido.

Porém, quando nos referimos a “conceito geral”, obviamente, não se trata de afirmar que o ato de ler tenha um significado generalizado e comum na concepção de todas as pessoas, mas sim, que a sublime semântica da expressão “leitura” abrange muito mais do que o simples ato de decodificar os símbolos gráficos constantes em um papel ou qualquer outro receptáculo de mensagens ou palavras escritas.

Queremos dizer, traduzindo o pensamento de Paulo Freire, que há vários tipos de leitura, o que também se pode traduzir como interpretação crítico-filosófica da vida e do mundo, e que todas essas formas de leitura reunidas e direcionadas para o crescimento humano traduzem o que seja, para esse mestre, verdadeiramente “ler”.

Entretanto, seja na leitura das palavras, na do mundo ou na do complexo dos mistérios da existência, somente encontrará o caminho da gradativa libertação, tornando-se apto a construir dignidade, equilíbrio e harmonia, para si e para os que o cercam, aquele que incessantemente buscar o aprofundamento daquilo que deseja entender (ler); aquele que não permanecer caído e inerte quando porventura tropeçar na caminhada; aquele, enfim, que transpuser qualquer obstáculo que se lhe apresente, por maior que seja, para aproximar-se das “verdades” ou conquistas que procura. E há que se salientar, ainda, que tal caminhada em busca da verdadeira “leitura”, não é para se empreender isolada ou individualmente; pois, é com a comunhão de forças e objetivos que as conquistas se tornam mais fáceis e agradáveis.

Talvez, o que Paulo Freire nos queira dizer com suas adoráveis palavras seja o mesmo que já dizia Platão ao homenagear seu mestre Sócrates: É imprescindível que saiamos todos da “caverna” e que enxerguemos além do muro e da sombra que dele se projeta em nossa direção. Só assim desvendaremos o segredo da sombra, porque descobriremos a fogueira do outro lado – fonte de luz que se oculta atrás do muro e que produz a sombra sobre a qual temos o infundado medo de avançar.

“Fazer história é estar presente nela, e não simplesmente nela estar representado”. (Paulo Freire).

Vemos que a verdadeira vida só pode ser conquistada através da participação. Os fatos da vida não devem nos conduzir; nós é que devemos inventá-los e conduzi-los como agentes da história que somos. Afinal, vida é participação, assim como participação é vida.

“Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso, aprendemos sempre.” (Paulo Freire)

Deparamo-nos, pois, aqui, com a ratificação simples daquilo que consideramos e transmitimos nos dois últimos parágrafos do texto maior, acima. Paulo Freire sempre usa o pronome “nós”, porque a busca por um entendimento claro e libertador dos “porquês da vida, bem como o “desvendar” dos fatos do cotidiano a ponto de uma compreensão compensadora, deve ser sempre feito em comunhão, e não isoladamente. Trata-se de uma construção de vida e liberdade para si e para todos, simultaneamente (“Só se é livre quando todos o são!” – Teilhard Chardin).

“Pensar certo significa procurar descobrir e entender o que se acha mais escondido nas coisas e nos fatos que nós observamos e analisamos.” (Paulo Freire).

Pensar certo é, antes de seguir junto, perguntar-se: “por que a ‘boiada’ segue naquela direção?”...É investigar além das primeiras aparências das coisas e das situações; é fermentar o senso crítico e evitar sempre de cair nas malhas ralas do senso comum, pois este é o mundo da sombra que produz o medo de avançar rumo à libertação, enquanto que o primeiro representa a possibilidade de encontrar a claridade de tudo.

Concluímos, portanto, que, no entendimento de Paulo Freire, educação é a habilidade progressiva de empreender todas as possíveis “leituras” da vida; é poder decodificar, tanto as letras, quanto os fatos do cotidiano. Assim, considerando-se a continuidade que deve ser dada a todas as buscas do homem, depreendemos que uma satisfatória capacidade de leitura dos signos gráficos, ou seja, uma alfabetização, que nunca deve deixar de ser contínua, é o necessário alicerce para a construção de uma vida melhor e mais digna. A leitura escrita é o pilar central na construção do senso crítico, da cidadania e da realização profissional, e quando nos referimos à continuidade é para enfatizar que: “só se aprende a ler, lendo”, pois quanto mais se lê, mais se consolida em nós a capacidade de construção pessoal em todos os níveis, porque também mais se conseguirá progredir na leitura geral que se deve fazer sobre todas as coisas, fatos e situações da vida.

Mailton Rangel

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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Assassinato na Via Show.

Sei muito bem que o artigo abaixo, o qual publiquei na época do fato, hoje já está meio obsoleto, porém, a vontade de continuar mostrando-o - como instrumento de alerta - ainda continua nova e forte em meu íntimo. Assim, que me perdoem os imediatistas que já o leram, mas minha falta de inspiração ou de conteúdo para coisas novas neste momento me incita a "estacioná-lo", também aqui, nesta minha humilde e recôndita tribuna de opinião.


Mailton Rangel




ASSASSINATO NA VIA SHOW



“Homem de 22 anos é assassinado nesta madrugada com um tiro na nuca, dentro do seu próprio carro, no estacionamento da Via Show”.

Esta notícia, divulgada na manhã de quinta-feira, 18/09/08, por um dos “vendidos” bonecos sensacionalistas da televisão brasileira, fez com que eu me detivesse um pouco – sem trocar imediatamente o canal – diante do seu ridículo e espalhafatoso programa.

Tal apresentador, cumprindo seu papel de inconteste puxa-saco das elites, limitou-se meramente a relatar o fato, na forma acima, suavizando-o com um breve comentário, mais ou menos assim: “Eu, heimmmmmm... a coisa tá preta, meu irmão... aquela área de São João de Meriti anda muito esquisita, he, he, he...”.

No mês passado (15/08), entretanto, quando Caio Silveira de Albuquerque, de 17 anos, foi brutalmente espancado por seguranças da aludida casa de espetáculos, assim como na maioria das atrocidades que lá incidem sobre jovens pobres e/ou pretos e desconhecidos... nenhum paspalho massificador da TV se pronunciou, nem para acusar e tampouco para manifestar – como se viu agora – a calhorda atitude de tentar desviar o foco das atenções, de cima daquela empresa notoriamente relacionada com atos de violência para o elástico âmbito regional de todo o município onde se deu o fato. Afinal, assassinatos, enquanto crimes mais graves do que agressão, não poderiam deixar de ser, pelo menos, tendenciosamente aludidos pelos “grandes” e “importantes” encantadores de debilóides da mídia, não é mesmo?

Pois, se – à época – um jornalzinho de papel mostrava a foto do menino Caio cheio de hematomas no rosto, estranhamente classificando-o na matéria como “suposta vítima” dos seguranças da Via Show, agora, com muito mais substancialidade – tendo-se em vista o comprometido passado da ‘casa’ – todos os segmentos de imprensa que pelo menos aludiram ao novo fato deveriam ter a digna atitude de levantar um questionamento: Seriam, os truculentos seguranças da Via Show, os “supostos” assassinos, nesse novo e triste episódio?...

Mas isto não aconteceu, porque a cara agora suscetível ao esbofeteamento é a da poderosa Via Show, e não a de um simples adolescente boêmio.

A essa questão, porquanto, não há como se oferecer resposta sem provas, mas... por via das dúvidas, recorro aqui ao meu papel de cidadão para lembrar a todos os pais da região metropolitana do Rio de Janeiro e adjacências, que, muito mais certa do que “supostamente”, nossos filhos continuam correndo um enorme risco de morte, ou de humilhação nos eventos e nas dependências da suspeita e famigerada boate conhecida como ‘Via Show’.


Mailton Rangel