Poemaduro

Poemaduro
O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

NOTICIÁRIO

NOTICIÁRIO

Policial supostamente corrupto e mancomunado com grupos de extermínio, vendo-se flagrado no momento em que receberia suborno dentro da sala de recepção da delegacia, saca de sua pistola automática e efetua inúmeros disparos, numa tentativa desesperada de “queima de arquivo”.

Testemunhas afirmam que, embora o computador sobre a mesa de trabalho tenha ficado totalmente destroçado, a real intenção frustrada do agressor era matar o Orkut, motivado por um aviso que este lhe exibira em letras vermelhas: “Que feio, Servidor, você não pode fazer isso!”

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Resenha do livro ESTAÇÃO JUGULAR, de Allan Pitz.



ESTAÇÃO JUGULAR, Allan Pitz, Editora Multifoco, 98 páginas.




ESTAÇÃO JUGULAR:

Eis o título do mais recente livro de ficção (ou não) do notável escritor Allan Pitz. Um conto dos mais extasiantes, no qual o aturdido protagonista “Franz”, ao buscar alento para sua existência então esvaziada de sentido, mas, cheia de amargura, percebe estarrecido e frustrado que, em parte, o “tiro” se-lhe saíra pela culatra, pois, um ato drástico que ele cometera à guisa de solução, longe de atender de imediato ao fim almejado, apenas o empurra – à total revelia de sua vontade consciente – para o inesperado embarque em um ônibus munido de inimagináveis recursos da mais transcendental tecnologia. E... para mais ainda conduzir esse personagem ao píncaro da aflição, tal veículo também é especialmente desincumbido de qualquer controle de velocidade ou de quilometragem, bem como destituído de rumo ou itinerário pré-definido. Isto, em síntese, é o que nos parece às primeiras viradas de página.

No entanto, mais que um livro no sentido lato e denotativo da palavra, ESTAÇÃO JUGULAR é uma exuberante escultura literária, verdadeiro prisma de luz e descobertas para a alma do leitor, que, assim que inicia a leitura, sente-se amealhado (hipnotizado) para prosseguir inarredavelmente até o desfecho final, porque, em seu contexto, tanto para o personagem quanto para o leitor, muitas aparências enganam “a priori”, enquanto as admiráveis certezas só aparecerão em plenitude com o paulatino dissipar da névoa das revelações.

Tudo que Franz almejava no início, ao que parece, era fugir do sol. Porém, enveredando por um emaranhado de paisagens indescritíveis, o fato que mais o desnorteia é que, se por um lado, nada nessa insólita viagem parece se imbuir de coerência ou clareza, paradoxalmente, nada também se apresenta sob a obscuridade completa, porque, dentre outras contundentes miragens ou realidades que se materializam pelo trajeto, até os insidiosos “flashes” dourados do sol que desencadeara sua insana fuga continuam a persegui-lo e abordá-lo por todo o percurso, ousando impetuosamente invadir, tanto as vidraças do ônibus quanto as frestas inconscientes de seu espírito conturbado.

Nessa conjuntura, a chave mágica com a qual o autor descortina os lapsos de intensa luz e beleza que o protagonista segue vislumbrando emana de inteligentes contextualizações alusivas à criação pictórica de Van Gogh, enquanto que, por outro lado, no que tange a certas imagens chocantes que convidam o leitor a uma profunda autorreflexão, creio que até Dante Alighieri, se pudesse verbalizar para fazê-lo, parabenizaria, sem dúvida, as mirabolantes e espiritualizadas construções do escritor Allan Pitz.

Pois, é assim que, dentre nuances que se-lhe alternam entre sonho e lucidez, ora sob brumas fantasmagóricas e ofuscantes, ora sob a visão de espetáculos maravilhantes... O protagonista precisa, de alguma forma, mesmo que isso lhe soe como tarefa impossível, ativar toda a força de sua alma para chegar ao inusitado fim, se é que algum fim existirá para ele nessa psicotrópica incursão.

ESTAÇÃO JUGULAR, enfim, é um livro tão impressionante quanto emocionante; é filosófico, é místico, e, embora conduzido sob uma prosa poética lindamente contemporânea e abarrotada de maravilhosas subjacências, ele não deixa de ser extremamente erudito. É a obra que, além de nos encantar por si só, enquanto primorosa narrativa de uma ficção surrealista salpicada de realidades e lições de vida (e de morte), fluindo sob o corolário de intensa originalidade, ele – “de quebra” – ainda traduz, inequivocamente, por consequência e para aqueles que sabem “ver”, a tão admirável visão de compromisso sócio/essencial do escritor.

Portanto, valendo-me aqui de uma alegoria que, certamente, sequer alcança o rastro da genialidade que conferi nesse livro, digo que, se as bibliotecas dos bons leitores, aqueles que realmente amam a criação primorosa e bem tecida, pudessem se personificar para exigir maior qualidade de seus adereços ou o remédio eficaz para suas incompletudes, certamente elas gritariam em uníssono: PONHAM, IMEDIATAMENTE, UM EXEMPLAR DE “ESTAÇÃO JUGULAR” EM UMA DE MINHAS ESTANTES!

(Mailton Rangel)

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SOLILÓQUIO

"Zé no carnaval" - Óleo sobre tela - Mailton Rangel.




SOLILÓQUIO


Somente em versos traduzo,

O timbre dos meus gorjeios

E eu,

Que em vez de nascer direito,

Feito meu pai,

Águia de peito farto e índole fecunda,

Cheguei-me tão torto quanto atordoado.

E eis, que, por aqui,

Mais de uma vez,

Com minh’asinha esquerda mais preparada,

Pus-me a depositar – voltas e meias,

Um refugado papel sobre a mesa,

Com o tino dúbio de desempenhá-lo.

Com isso,

Não demorei tanto para sonhar em voar;

Embora que, paradoxalmente,

Eu ainda não conseguisse domar a contento

Esta razão primordial das minhas procuras:

– A indescritível condição de poder planar

Ao fluxo de quaisquer intempéries!

E assim,

Tal como faria aquele

Que um dia venceu sem sombra

O torpe “silêncio das línguas cansadas”,

Sigo vomitando versos confusos,

Que falam de uns poetas mortos,

Que tanto insistem em viver comigo!

Mas isto,

Vindo ao encontro,

É o que ainda me mostra um tanto balsâmico,

Feito abraço de amigo do peito,

Beijo de mãe,

Ou um simbólico cesto de pão!

Entretantos,

Forjado em vis aparecedouros do esgoto humano,

Creio que eu não fosse antes somente ruim,

Feito gente truncada que se acostuma com tudo,

Posto que, em tal estágio,

Eu somente me desfigurava,

Além do menos,

Como um exímio acostumador,

Porque as minhas exéquias

Já não reclamavam de nada.

Todavia,

Em belo dia,

Quando eu finalmente ascendi de vez,

Com auto-confiança e determinação,

Olhando lá do alto as minhas limitações...

Foi com o ruflar das minhas asas

Que eu compreendi,

Que eventuais becos sem saída no curso do vôo

– Pseudo-risco natural dos que sonham mais alto,

Nada mais são que a infantil limitação,

Daqueles que nem sabem voar para trás,

Como forma essencial de aprimoramento

Para o seu novo e áureo recomeço.

Detectei, pois, que,

Em pleno vôo ou a cada arremesso,

Surgem-nos determinados labirintos

Em que a única saída salutar plausível

Consistiria no próprio pórtico de entrada;

O que suscita e traz à baila a velha certeza

Que ainda nos exige um pouco mais

Que a simples humildade de retroceder:

Há, pois, que se reinventar o fôlego novo,

Para que se consiga voar em dobro,

Mesmo sob o risco iminente

De que tal retorno nos exponha

Ao mais chicoteante escarnecimento,

Por parte das mesmas aves de rapina,

Que já nos puderam apreciar

Estatelando o bico e a cara depenada

De encontro a um sólido rochedo.

Aquelas, que,

Estacionadas por seu próprio peso,

Temem se esforçar pra voar de verdade,

E por isso, igualmente ignorariam

O peso e a valia de se respeitar a queda alheia,

Porque também não lograriam o gozo do prêmio

Pela busca de um novo brilho de horizonte!

E se o ato mais complexo

Consiste no rumo vertical ascendente,

Quando o rarefeito ar nos produz vertigens,

Impedindo-nos de divisar

Entre a prontidão e a letargia;

Entre o sonho e a realidade;

Entre o acerto e a estupidez...

Este será destarte o exato instante

Em que, na busca de uma luz posicionada

Acima do imediato breu que vislumbramos,

Aí é que nos tornaremos paulatinamente habilitados

Para transpassar, com segurança e força redobrados,

Todo e qualquer manto de noite

Que insista em procrastinar

O nosso ansiado alvorecer,

Bem como,

Passíveis de ver e elucidar

As mais imediatas perspectivas de Deus!

...Todavia,

No afã de sufocar neste momento

A controversa pretensão de enveredar por tanta bruma,

Diga-se que só vim pra traduzir o motivo

Por que sempre me lanço em voos errantes,

Feito um pardal novo à fúria do vento:

É que essa doce quimera que eu respiro

E que tanto me descondiciona,

Acima e a despeito de qualquer alegoria...

É voar!...

Mesmo que desprovido dos agudos olhos de um lince,

Do vislumbre de um arco-íris guia,

E da salvaguarda das bengalinhas brancas;

Porque se eu sigo tropeçando em pedregulhos,

Transformo-os em alicerce,

Edificando-me sobre todos eles;

E sempre que – até sem pretender,

Também arranho algumas flores com as unhas,

Eu acabo absorvendo um tanto dos seus perfumes.

Entrementes,

Considerando-se que voar,

Pode não ser tão preciso quanto navegar,

Vejo que não devo abstrair minha atenção

Das inexoráveis marcas que o tempo traz,

Porque são elas o inconfundível alarme

Que tange minh’alma de pássaro-poeta,

Mostrando-me que traio a mim mesmo,

Sempre que desempenho apenas papéis,

Que durmo nas horas de vigília,

Ou que me proponho a acreditar

Que as tolas maquiagens de cascas e penas

Pudessem ser capazes de suplantar

Mesmo que a mais simplista modalidade de amor.

Portanto,

Agora e sempre,

Tudo que quero é continuar voando assim,

E mesmo que eu nem soubesse como,

Nem quando,

Nem para onde...

Insistiria obstinadamente em perseguir

Esse lirismo tão libertador,

Que não mais de mim se esconde!



(Mailton Rangel, Publicado no livro POEMADURO)

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HARMONIA (G) = 20/11/1981


Perfume de terra molhada,

Sereno beijando o chão,

Azulaços e gorjeios,

Flor do ipê manchando o solo rude do sertão.


Natureza em maravilha,

Claridade de luar,

Brisa trazendo saudade,

Refrescando a liberdade,

Viola chorando, traduzindo a emoção!


No rio que rasga o chão,

Na algazarra dos pardais,

Deus é o acorde de um canto de paz,

Terra,

Clorofila,

Flor e pão.


Menino descalço na estrada,

Velho pai, cabelo de algodão...

Cerejeira colorida,

Revelando a cor da vida.

Relva,

Lua,

Brisa...

Fruto de alimentação.


Fragmentos de afeto,

Dádivas dos criador,

Argamassa da alegria,

Evidências do amor.


Meu coração tem ânsias

De estuque e de sapê,

De arvoredo,

De alvorada,

De espantalho no trigal,

De inocência e liberdade,

De harmonia natural.

(solo)

****


(Letra de canção - Mailton Rangel)

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SEMENTE (E7+) 22/10/1981

(1º lugar, IV Fest. Primavera. Mesquita – RJ – 31/10 e 1º/11/1981 + Publicada no livro POEMADURO)


Cadê meus sonhos

De esperar a esperança

Numa imagem de criança

Que ensaiava acontecer?!


E acontecido,

Foi trazendo lentamente

Uma dor que, sutilmente,

Me estraçalha o coração.


Cadê meus planos

De abraçar a liberdade,

Jogo-franco,

Só verdades...

Mil exemplos de amor?!


A esperança não morreu,

Mas, esquecida,

Se ausentou da minha vida,

Se apagou do meu olhar!


Seu sorriso

É como as cores das manhãs,

Os seus traços,

Como os sonhos que enfeitei;

Do seu jeito silencioso de falar

Vem-me a fome de esperar

Os milagres do amor!


Eu te queria

Caminhando meus caminhos,

Partilhando meus espinhos,

Confortando a minha dor...


Tantas andanças,

Corre-corre de crianças,

Alegrias incontidas,

Estilhaços da ilusão.


Muitas esperas

Salpicadas de incerteza

Determinam a beleza

E a nobreza da nossa missão.


Enquanto a vida

Vai passando embrutecida,

Alimento um sonho doce

Tão bonito quanto a paz!

****


(Letra de canção - Mailton Rangel)

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APELO (G7+) = 10/09/1979.

(3ª colocação no II Festival de Primavera, em Mesquita – RJ – 1979)


Ah, meu Deus, que bom seria,

Se as pessoas vazias

Se enchessem de amor.


E se os cheios de si mesmos

Não andassem por aí

Espalhando a opressão.


Faz, Senhor, a utopia

Pão-nosso de cada dia

Ser real pra todos nós;


Faz, Senhor, que a sua graça

Chegue aos donos da desgraça

Deste mundo desigual.


Cada momento que se deixa passar

Sem conhecer a importância de amar

É mais uma pedra que se atira em Deus;

Felicidade não é só desfrutar,

É necessário se confraternizar

Para semear a esperança depois...


Como é grande a nossa espera

De uma nova primavera

De amor fraterno e paz,


Faz, Senhor, que a liberdade

De viver seja verdade,

Livra-nos de todo mal.


Seria tão diferente,

Se os temores dessa gente

Não passassem de ilusão;


Mas quem não morre de fome,

Se consome no abandono

Vegetando em solidão.

****


(Letra de canção - Mailton Rangel)

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Fermento


FERMENTO (A7+) = 08/10/1990

Não pode haver alegria

Se a vida é uma morte enfeitada,

Se só nos deixam comer as migalhas do pão.

Só fermentando as angústias do peito

Se pode resgatar o alimento da mão

De quem só semeia a desesperança do irmão.


Vamos repartir o peixe que o mar fabricou;

Vamos partilhar a terra que Deus esculpiu;

Vamos semear o solo num espaço qualquer;

Vamos derramar nosso sangue pela dignidade.


O futuro é a transformação

Que espera nossa atitude

De romper a corrente e voar

Para um destino melhor.


Porque cada homem que tem emoção

É um pequeno fragmento de Deus,

E pode, pela força da motivação, transformar

Um monte de gente aturdida em uma nação

Patriotismo é amar

O povo que se quer libertar,

E não apenas respeitar uma bandeira.

****


(Letra de canção - Mailton Rangel)

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