Poemaduro

Poemaduro
O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O autismo e a deturpação Global








     A “gloriosa” Rede Globo, que tantos peixes podres vende a preço de ouro para a população menos provida de senso crítico, especialmente para a coletividade novelista e big-brotherista de plantão, obtém agora mais um imerecido êxito, que, desta vez, consiste em convencer a massa – a partir do seu efusivo "oba-oba" promocional – de que a abordagem sobre autismo que se faz na atual novela "Amor à Vida, das 8:30, é coisa de relevante utilidade pública. Mas...E o povo, engole?... Sim, o povo engole quase tudo que vem de lá!

     No entanto, o que se observa é que grande parte dos que nada sabem do assunto, seja por falta de experiência vivencial ou de efetivo interesse, não só “engole”, no sentido de entregar-se ao entretenimento descompromissado com a verdade, mas, também, acredita, encantada e comovida, em mais essa grande balela Global que se destina a consolidar conceitos duvidosos.

     O que eu percebo, na condição de intrinsecamente envolvido com a síndrome há 36 anos, é que o novelista Valcyr Carrasco – grande vendedor de ilusões que nada entende de autismo – presta agora, nesse quesito, juntamente com a emissora que o contrata, nada mais que um grandioso desserviço a essa população tão facilmente encantável, que, com as devidas exceções, não pensa por si.

     Afinal, se o referido novelista pesquisou sobre o autismo para a construção da personagem, parece que pesquisou muito mal, exatamente, talvez, por saber que o público alvo das novelas compra o “peixe” televisivo com o cheiro que ele vier, bem como, independentemente de ele ter sido pescado num brejo sujo qualquer. E, com isso, pode ser que até a visivelmente talentosa atriz que ora se esmera em dar alguma verossimilhança ao tosco script que lhe impingiram saia, ao final, com a sua bagagem artística meio desarrumada, tamanha é a deturpação que ali se faz sobre o difícil papel que ela desempenha: o de uma pessoa portadora de autismo.

     Vejo com lástima, que, num tema que tanto carece de esclarecimento sério e fidedigno, tendo em vista o desconhecimento generalizado que advém, em parte, da sua própria complexidade, alguém se arvore a delinear a coisa para representação cênica de forma tão surreal e equivocada, para não dizer “irresponsável”.

     O fato é que a moça autista, que, na estapafúrdia visão de Carrasco, “apaixona-se” perdidamente pelo advogado, certamente culminará em achar a milagrosa e utópica cura do seu autismo unicamente através dos apelos da carne e da lascívia sobre a cama, coisa que, absolutamente, nem se aproxima das perspectivas já traçadas por estudiosos, em qualquer tempo, para qualquer uma das inúmeras modalidades e graduações de autismo. Isto porque, para um autista, o apelo sexual é instintivo, e não romantizado, e já o amor, em sua concepção genuinamente pura e altruísta, é, realmente, o que há de mais importante para alguma modesta evolução de um autista rumo a alguma autonomia e à normalidade de condutas, mas, a paixão, por sua vez, não lhe passa de um sentimento alheio, que nada pode ter a ver com o seu mundo, especialmente, quando, em nome dessa paixão, a personagem ainda se vê, em tempo recorde, capaz de manifestar atitudes de sedução, mesmo que em modesta escala, e a interagir com o “amado” sob o condão de alguma percepção irônica, metafórica e produtivamente emocional, bem como, passando, de repente, a se comportar em público sob a égide da coerência e das normas esperáveis de etiqueta social. Ora, pombas, tenha paciência, senhor Valcyr Carrasco: vá se mostrar conhecedor de autismo assim no raio que o parta.

     Todos sabem que novela é gênero meramente ficcional e, como tal, caracterizado por intenso exagero, mas os temas polêmicos que nelas se vêem inseridos são sempre uma exceção a essa regra, pois, enquanto sujeitos à clara e consolidada intenção de formar opinião, quebrar preconceitos e desmistificar temas pouco compreendidos pelo público em geral, eles não podem nunca ser traduzidos sem que se leve em consideração a responsabilidade social do escritor.

     Enfim, como o tempo escasso me obriga a fazer com que esta manifestação não passe do repúdio próprio de um interessado, sem a pretensão de se constituir em um vasto tratado sobre o assunto, saio de cena para que cada qual dos que não se imbuem de dores diretas com o autismo comprem da Globo o peixe que quiserem. No entanto, gostaria muito que aqueles que têm o ofício de escrever, pesquisassem melhor para fazê-lo, sempre que quiserem abordar temas complexos e polêmicos, a fim de que seu ofício se enquadre ao menos um pouco num dos principais objetivos que lhe são inerentes: contribuir para a informação séria e desprovida da atitude intencional de imbecilizar o povo.



Mailton Rangel

Nenhum comentário:

Postar um comentário