ESTAÇÃO JUGULAR:
Eis o título do mais recente livro de ficção (ou não) do notável escritor Allan Pitz. Um conto dos mais extasiantes, no qual o aturdido protagonista “Franz”, ao buscar alento para sua existência então esvaziada de sentido, mas, cheia de amargura, percebe estarrecido e frustrado que, em parte, o “tiro” se-lhe saíra pela culatra, pois, um ato drástico que ele cometera à guisa de solução, longe de atender de imediato ao fim almejado, apenas o empurra – à total revelia de sua vontade consciente – para o inesperado embarque em um ônibus munido de inimagináveis recursos da mais transcendental tecnologia. E... para mais ainda conduzir esse personagem ao píncaro da aflição, tal veículo também é especialmente desincumbido de qualquer controle de velocidade ou de quilometragem, bem como destituído de rumo ou itinerário pré-definido. Isto, em síntese, é o que nos parece às primeiras viradas de página.
No entanto, mais que um livro no sentido lato e denotativo da palavra, ESTAÇÃO JUGULAR é uma exuberante escultura literária, verdadeiro prisma de luz e descobertas para a alma do leitor, que, assim que inicia a leitura, sente-se amealhado (hipnotizado) para prosseguir inarredavelmente até o desfecho final, porque, em seu contexto, tanto para o personagem quanto para o leitor, muitas aparências enganam “a priori”, enquanto as admiráveis certezas só aparecerão em plenitude com o paulatino dissipar da névoa das revelações.
Tudo que Franz almejava no início, ao que parece, era fugir do sol. Porém, enveredando por um emaranhado de paisagens indescritíveis, o fato que mais o desnorteia é que, se por um lado, nada nessa insólita viagem parece se imbuir de coerência ou clareza, paradoxalmente, nada também se apresenta sob a obscuridade completa, porque, dentre outras contundentes miragens ou realidades que se materializam pelo trajeto, até os insidiosos “flashes” dourados do sol que desencadeara sua insana fuga continuam a persegui-lo e abordá-lo por todo o percurso, ousando impetuosamente invadir, tanto as vidraças do ônibus quanto as frestas inconscientes de seu espírito conturbado.
Nessa conjuntura, a chave mágica com a qual o autor descortina os lapsos de intensa luz e beleza que o protagonista segue vislumbrando emana de inteligentes contextualizações alusivas à criação pictórica de Van Gogh, enquanto que, por outro lado, no que tange a certas imagens chocantes que convidam o leitor a uma profunda autorreflexão, creio que até Dante Alighieri, se pudesse verbalizar para fazê-lo, parabenizaria, sem dúvida, as mirabolantes e espiritualizadas construções do escritor Allan Pitz.
Pois, é assim que, dentre nuances que se-lhe alternam entre sonho e lucidez, ora sob brumas fantasmagóricas e ofuscantes, ora sob a visão de espetáculos maravilhantes... O protagonista precisa, de alguma forma, mesmo que isso lhe soe como tarefa impossível, ativar toda a força de sua alma para chegar ao inusitado fim, se é que algum fim existirá para ele nessa psicotrópica incursão.
ESTAÇÃO JUGULAR, enfim, é um livro tão impressionante quanto emocionante; é filosófico, é místico, e, embora conduzido sob uma prosa poética lindamente contemporânea e abarrotada de maravilhosas subjacências, ele não deixa de ser extremamente erudito. É a obra que, além de nos encantar por si só, enquanto primorosa narrativa de uma ficção surrealista salpicada de realidades e lições de vida (e de morte), fluindo sob o corolário de intensa originalidade, ele – “de quebra” – ainda traduz, inequivocamente, por consequência e para aqueles que sabem “ver”, a tão admirável visão de compromisso sócio/essencial do escritor.
Portanto, valendo-me aqui de uma alegoria que, certamente, sequer alcança o rastro da genialidade que conferi nesse livro, digo que, se as bibliotecas dos bons leitores, aqueles que realmente amam a criação primorosa e bem tecida, pudessem se personificar para exigir maior qualidade de seus adereços ou o remédio eficaz para suas incompletudes, certamente elas gritariam em uníssono: PONHAM, IMEDIATAMENTE, UM EXEMPLAR DE “ESTAÇÃO JUGULAR” EM UMA DE MINHAS ESTANTES!
(Mailton Rangel)
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