Poemaduro
Princípio do Enigmanismo
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
TANTO
Incumbiram-me, certa feita, de dissertar sobre a paz, mas eu me recusei terminantemente: não o fiz! Apenas lhes respondi, enfaticamente, que essa tão almejada condição não se pode confundir com qualquer pombinha branca, que até nos poderia encantar com a sua controversa leveza, porém, logo que se vê liberta, evade-se de pronto, tão arredia quanto alheia e aflita, a fim de se distanciar, tanto do nosso equivocado olhar quanto dessa nossa mais premente esperança!
Disse-lhes eu, ainda, que essa tão substancial escrita não se faz só com a ponta da pena em mãos mal-alfabetizadas; porque grande seria a possibilidade de se estar instituindo só mais uma inócua grafia; só mais um símbolo oco, que já nasceria desprovido de verossimilhança, porque provavelmente aflorara despido do embrião da fraternidade.
Assim, até com uma boa dose de redundância, eu lhes enfatizei que grafar a paz é ato que não se faz só, porque a idéia-cópia que se estampará no papel precisa emanar de um idealismo pré-insculpido nas mentes e nos corações de muitos e muitos pacificadores.
Propus-me apenas a mostrar a eles que um pergaminho de luz, diferentemente de um papel inadequado e comum, somente se forja pelo bom entrelaçamento das diferentes fibras da essencialidade humana, explicando-lhes, em suma, que a almejada paz nunca brotaria apenas de um texto, que apesar de aludir ao voo da perniciosa ave assustada, deixasse de se estruturar sobre o bom alicerce de atos e intenções do verdadeiro altruísmo.
Adverti-os de que, embora toda palavra seja uma semente, essa seria uma das mais difíceis de se cultivar, tendo-se em vista que ela, paradoxalmente, traduz a mais imprescindível prática para toda e qualquer existência e vida social de verdade.
Gritei-lhes, afinal, que o que ali se encontrava em pauta era um sublime ideal, que muitos estão aptos a escrever e ‘decodificar’, mas pouquíssimos o vivenciam, e, por isso, eu não escreveria absolutamente nada sobre a paz, porque toda intenção que se confina em um tosco contexto de papel comum, jamais desempenharia, na prática, papel algum para todos nós.
Mailton Rangel.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
UNICUS
UNICUS
(Devaneio lírico de um Serventuário de Justiça)
Inconstitucionalissimamente:
Tolhido vago em Justiça amorfa,
Se sem vislumbrar em líquida certeza
O ‘fumus boni iuris’ da límpida teoria,
Deixei de crer em qualquer ‘decisum’
Que emirja das togas cruas!
Inconstitucionalissimamente...
Arando a lavra com meu sal do rosto,
Rastejo só ante a emergente cria
Do vil embargador que desengrena o ranço
De um joio que desigualmente se rega
Sempre com o jorro da minha sangria.
Inconstitucionalissimamente,
De tão subalterno, vil e diferenciado,
Isento-me dos vícios e, assim, não trago!
Porém, qual fumaça que vidro algum embaçaria,
Igualitariamente jazo viciado...
Mas nunca que me dissipo... e sequer... fumo!
Inconstitucionalissimamente,
Se fluo no vernáculo, vem-me a punição
Das mãos sob os auspícios d’altiva treva,
E assim, serei por todo sempre reles vassalo;
Destarte, o que me cabe é feno e trabalho,
Se – feito mau cavalo – eis que eu mal rumino!
Inconstitucionalissimamente,
Se o verbo tergiversa eu me desconstituo,
E à pena da juizite, judico sem ar,
Se o códex gelado é desinterpretado,
Transmudo em peixe arisco ao seco largado,
Ou frijo à hipocrisia, sem chance de nadar.
Inconstitucionalissimamente,
Esfalfo-me em sinais para o olhar errôneo,
Qual bucha de balão que já se apaga usada,
E assim, sem brilho ou verniz, eu me desfaço,
E às penas, só assumo...
E somente sumo!
(Mailton Rangel).
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