Considerações sobre a obra “A Importância do Ato de Ler”, de Paulo Freire.
O conceito geral daquilo que se deve entender por “ler” sintetiza a condição ou o atributo que verdadeiramente liberta o ser humano, tornando-o apto a melhor viver e conviver, sendo mais feliz consigo mesmo e com o mundo em que se encontra inserido.
Porém, quando nos referimos a “conceito geral”, obviamente, não se trata de afirmar que o ato de ler tenha um significado generalizado e comum na concepção de todas as pessoas, mas sim, que a sublime semântica da expressão “leitura” abrange muito mais do que o simples ato de decodificar os símbolos gráficos constantes em um papel ou qualquer outro receptáculo de mensagens ou palavras escritas.
Queremos dizer, traduzindo o pensamento de Paulo Freire, que há vários tipos de leitura, o que também se pode traduzir como interpretação crítico-filosófica da vida e do mundo, e que todas essas formas de leitura reunidas e direcionadas para o crescimento humano traduzem o que seja, para esse mestre, verdadeiramente “ler”.
Entretanto, seja na leitura das palavras, na do mundo ou na do complexo dos mistérios da existência, somente encontrará o caminho da gradativa libertação, tornando-se apto a construir dignidade, equilíbrio e harmonia, para si e para os que o cercam, aquele que incessantemente buscar o aprofundamento daquilo que deseja entender (ler); aquele que não permanecer caído e inerte quando porventura tropeçar na caminhada; aquele, enfim, que transpuser qualquer obstáculo que se lhe apresente, por maior que seja, para aproximar-se das “verdades” ou conquistas que procura. E há que se salientar, ainda, que tal caminhada em busca da verdadeira “leitura”, não é para se empreender isolada ou individualmente; pois, é com a comunhão de forças e objetivos que as conquistas se tornam mais fáceis e agradáveis.
Talvez, o que Paulo Freire nos queira dizer com suas adoráveis palavras seja o mesmo que já dizia Platão ao homenagear seu mestre Sócrates: É imprescindível que saiamos todos da “caverna” e que enxerguemos além do muro e da sombra que dele se projeta em nossa direção. Só assim desvendaremos o segredo da sombra, porque descobriremos a fogueira do outro lado – fonte de luz que se oculta atrás do muro e que produz a sombra sobre a qual temos o infundado medo de avançar.
“Fazer história é estar presente nela, e não simplesmente nela estar representado”. (Paulo Freire).
Vemos que a verdadeira vida só pode ser conquistada através da participação. Os fatos da vida não devem nos conduzir; nós é que devemos inventá-los e conduzi-los como agentes da história que somos. Afinal, vida é participação, assim como participação é vida.
“Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso, aprendemos sempre.” (Paulo Freire)
Deparamo-nos, pois, aqui, com a ratificação simples daquilo que consideramos e transmitimos nos dois últimos parágrafos do texto maior, acima. Paulo Freire sempre usa o pronome “nós”, porque a busca por um entendimento claro e libertador dos “porquês da vida, bem como o “desvendar” dos fatos do cotidiano a ponto de uma compreensão compensadora, deve ser sempre feito em comunhão, e não isoladamente. Trata-se de uma construção de vida e liberdade para si e para todos, simultaneamente (“Só se é livre quando todos o são!” – Teilhard Chardin).
“Pensar certo significa procurar descobrir e entender o que se acha mais escondido nas coisas e nos fatos que nós observamos e analisamos.” (Paulo Freire).
Pensar certo é, antes de seguir junto, perguntar-se: “por que a ‘boiada’ segue naquela direção?”...É investigar além das primeiras aparências das coisas e das situações; é fermentar o senso crítico e evitar sempre de cair nas malhas ralas do senso comum, pois este é o mundo da sombra que produz o medo de avançar rumo à libertação, enquanto que o primeiro representa a possibilidade de encontrar a claridade de tudo.
Concluímos, portanto, que, no entendimento de Paulo Freire, educação é a habilidade progressiva de empreender todas as possíveis “leituras” da vida; é poder decodificar, tanto as letras, quanto os fatos do cotidiano. Assim, considerando-se a continuidade que deve ser dada a todas as buscas do homem, depreendemos que uma satisfatória capacidade de leitura dos signos gráficos, ou seja, uma alfabetização, que nunca deve deixar de ser contínua, é o necessário alicerce para a construção de uma vida melhor e mais digna. A leitura escrita é o pilar central na construção do senso crítico, da cidadania e da realização profissional, e quando nos referimos à continuidade é para enfatizar que: “só se aprende a ler, lendo”, pois quanto mais se lê, mais se consolida em nós a capacidade de construção pessoal em todos os níveis, porque também mais se conseguirá progredir na leitura geral que se deve fazer sobre todas as coisas, fatos e situações da vida.
Mailton Rangel
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